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O antigo primeiro-ministro David Cameron está de regresso à selva política – e a sua nomeação, como Secretário dos Negócios Estrangeiros, revela muito sobre o estado do Partido Conservador no poder.

A política britânica não tem tido poucas surpresas nos últimos anos e, para espanto de todos, o atual primeiro-ministro Rishi Sunak nomeou o antigo primeiro-ministro, David Cameron, como Secretário dos Negócios Estrangeiros. Já passaram 7 anos desde que Cameron se demitiu depois de colocar a questão do Brexit num voto popular através do referendo.

O país não se lembra dele com bons olhos, numa sondagem da YouGov em 2019, ele liderava uma lista dos políticos mais odiados do país. Mas o problema é que Rishi Sunak está a perder por 20 pontos percentuais nas sondagens das eleições do próximo ano. Sunak tinha uma Secretária do Interior completamente incontrolável e imprevisível, cuja política de imigração está presa nos tribunais com más perspectivas, que considera que ser sem-abrigo é uma opção de estilo de vida, e que alimenta o ódio da direita contra as marchas pró-Palestina. Então Sunak demitiu-a, provocando uma mudança no topo do governo, o que aparentou não ser uma boa ideia.

Sunak está bastante desesperado, está tão desesperado que já vale a pena tentar quase tudo. Uma das coisas que ele fez foi trazer de volta o ex-primeiro-ministro David Cameron como Secretário dos Negócios Estrangeiros, uma medida realmente surpreendente, pois este fenómeno já não acontecia há imenso tempo, é muito raro que ex-primeiros-ministros voltem e sirvam no governo.

Sunak passou as últimas semanas basicamente em conflito com Suella Braverman, antes de finalmente demiti-la por ter se tornado insustentável. Assim se criou uma vaga para Secretário do Interior, que foi preenchida pelo atual Secretário dos Negócios Estrangeiros, James Cleverly, que então passou do melhor e mais fácil cargo no governo de Secretário dos Negócios Estrangeiros para o pior e mais difícil cargo de Secretário do Interior.

Com os Negócios Estrangeiros vazio, e não havendo muito talento dentro do Partido Conservador neste momento pois não há um grande número de deputados com capacidade de assumir tal cargo, Sunak tomou a decisão extraordinária de convidar David Cameron de volta, para o cargo de Secretário dos Negócios Estrangeiros. Para assumir o cargo, o rei teve que tornar Cameron um Lorde devido às peculiaridades da Constituição britânica, porque é necessário ser membro do Parlamento para ser ministro, mas não é preciso necessariamente estar na Câmara dos Comuns, que é a parte eleita. E assim, David Cameron tornou-se Barão.

Digo que a Secretaria de Negócios Estrangeiros é o melhor e mais fácil cargo por causa do seu status, a capacidade de viajar pelo mundo e de conhecer pessoas importantes e interessantes. É um cargo que escapa um pouco à política suja, não há muito combate político sujo quando se trata de política externa, tanto o Labour como os Tories tentam trabalhar juntos na matéria e, na maioria dos casos, se algo der errado, raramente a culpa é do Secretário. Para o Secretário do Interior é exatamente o oposto, tudo é sempre culpa dele, tudo está constantemente a correr mal, e normalmente os Secretários do Interior têm muita sorte em sobreviver muito tempo nessa função.

David Cameron descrevia-se como um conservador liberal, que tentou transformar o Partido Conservador num partido mais liberal e ao centro. Uma das suas conquistas durante seu mandato foi o casamento homossexual, que foi contestado pela maioria dos deputados conservadores naquela altura, mas que Cameron conseguiu avançar. Num certo sentido, ele era um primeiro-ministro relativamente liberal, mas, noutros aspetos, era mais virado à “hard right”, extremamente conservador do ponto de vista fiscal e bastante “hardliner” em relação à imigração. Era uma mistura curiosa, era ostensivamente bastante liberal mas na realidade a sua prática refletia-se mais à direita, em linha com os conservadores britânicos. Governou por 6 anos, de 2010 a 2016, e nessa altura começou a avançar com o referendo do Brexit, onde as coisas correram realmente mal a partir daí. Ele será certamente lembrado por duas coisas: a austeridade e a saída do Reino Unido da UE.

A austeridade foi uma escolha deliberada, uma experiência radical que procurava demonstrar que o Reino Unido conseguiria sair da crise com cortes na despesa e aumentos nos impostos (tendo, no final do seu mandato, avançado com propostas para cortar em impostos), mas nenhuma dessas coisas era realmente sustentável, e os efeitos disso ainda se fazem sentir atualmente. O Reino Unido tem hoje um Estado muito maior, porque as pessoas querem e precisam de vários serviços públicos, e os impostos aumentaram para sustentar esse aumento de despesa. Portanto, efetivamente, não há nenhum legado económico que David Cameron tenha deixado para trás. O outro grande legado é a saída do Reino Unido da UE, e Cameron apostou tudo num referendo sobre o Brexit, a sua posição perdeu, e o país pagou o preço.

Cameron, quando era primeiro-ministro, afirmou sempre que permaneceria como deputado se deixasse de ser primeiro-ministro e, na verdade, isso não se verificou: passou 8 semanas como deputado “back bench” sob Theresa May e depois saiu do Parlamento. Depois, voltando à vida como um cidadão comum, teve várias atividades de caridade e negócios que não tiveram muito sucesso. O seu envolvimento na imprensa pós-governo foi sobretudo porque a empresa com a qual ele se envolveu, a Greensill (que esteve envolvida num grande escândalo de lobbying), faliu de uma maneira constrangedora. Também tentou, depois do seu governo, montar um fundo de investimento entre o Reino Unido e a China de mil milhões de dólares, sem sucesso. Portanto, ele não tem feito uma grande carreira fora da política.

Há duas maneiras de encarar seu retorno: do ponto de vista de Sunak, vale a pena tentar qualquer coisa neste momento. Há alguns eleitores que têm boas recordações de Cameron, e são eles os eleitores que o Partido Conservador está desesperado por manter, principalmente no próspero Sudeste de Inglaterra, pessoas que hesitavam entre o Partido Conservador e os LibDems. Se Cameron voltar, estes eleitores poderão ter uma razão para votar nos conservadores.

Do ponto de vista de Cameron, é algo que pode distrair a opinião pública do seu mandato como primeiro-ministro, que muitas pessoas consideraram terrível, e das suas aventuras de negócios que não correram muito bem. Portanto, se ele entrar para a história como um Ministro dos Negócios Estrangeiros moderadamente competente, talvez o seu legado melhore comparativamente ao que era.

Portanto, há algo a ganhar para ambos, mas não tenho certeza se a estratégia vai necessariamente valer a pena, porque os mesmos eleitores aos quais Cameron supostamente apela estão genuinamente fartos dos Conservadores por causa do Brexit, e muitos desses eleitores irão culpar Cameron pelo Brexit. É possível que não haja muitos benefícios para os conservadores no regresso de Cameron.

Esta mudança de governo significa que haverá outro conflito entre a direita e o centro do partido, Suella Braverman tentará causar o máximo de problemas que puder nas bancadas de trás e já tivemos alguns deputados a entregar moções de censura a Rishi Sunak. Poderemos acabar numa situação em que os conservadores estejam a dividir-se em vez de projetarem uma imagem de um governo frio, calmo e competente (que estão a tentar projetar neste momento), pelo que haverá muito a observar nas próximas semanas.

Apesar dos seus tiros nos pés, Cameron foi das poucas pessoas que tentou puxar o seu partido para o centro, tendo ficado com um legado manchado por causa do Brexit (o “Stay” esteve a 2 p.p de ganhar o referendo). Apesar da sua escolha para o cargo parecer ter mais a haver com a direção ideológica do partido do que conhecimento de política externa, é sem dúvida melhor do que qualquer outro Conservador disponível para o cargo. Eu conto que seja uma boa aposta.