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Escrevo este artigo no dia seguinte à saída do resultado das eleições presidenciais entre Sergio Massa y Javier Milei. O povo argentino, entre os 18 e os 65 anos, com obrigatoriedade de voto escolheu como futuro presidente “aquele da motossera”. 

O candidato de La Libertad Avanza obteve 56% dos votos relativamente ao peronista Sergio Massa que ficou além do esperado com apenas 44% dos votos. Esta diferença de 3 milhões de votos foi o que afastou o peronismo da presidência e assegurou o lugar de Milei na Casa Rosada.

Mas quem é esta figura política tão controversa? Milei transitou dos estúdios da televisão para a política há apenas uns anos quando se tornou deputado e fez a sua campanha sobre o lema “viva la libertad, carajo!”, com uma motosserra na mão e com o intuito de “exterminar a la casta política”. É evidente que não estamos perante um discurso político comum e corrente quando as palavras proferidas pelo futuro presidente carregam ódio e vingança, ódio pela casta, e vontade de vingança pela decadência do país.

A vitória deste candidato não vem como uma surpresa por diversas razões. Primeiramente, nesta segunda volta a alternativa dos eleitores àquele apelidado pelas agências internacionais como um ultradireitista, libertário e mesmo louco era o ministro da economia. Isto deixou os argentinos com a escolha de votar no leão com a motosserra ou aquele que durante os últimos 4 anos levou a que a que o país alcançasse valores como 142% de inflação interanual e atingisse uma taxa de pobreza de 45%. Outra explicação para a grande vantagem de Milei nesta segunda volta foi certamente o apoio do ex-presidente liberal do partido Juntos por el Cambio, Mauricio Macri, que governou entre 2015 e 2019 e que apoiou a candidatura de Patrícia Bullrich. 

Nem 24 horas após a derrota, a ex-candidata Bullrich, que ficara em terceiro lugar nas primárias de 22 de outubro, deixou claro que apoiaria o libertário. Desta forma, o presidente Milei este apoio era fundamental e mostrou-se decisivo em consolidar a sua vantagem face ao seu opositor na segunda volta, conseguindo com esta aliança conquistar os votos da candidata na primeira volta. 

É curioso notar que grande parte da campanha de Milei sustentou-se numa exterminação à casta política, quando na realidade Macri e Bullrich fazem parte dessa mesma casta a que o futuro presidente se refere e desdenha vezes sem conta.

Sem contar que, esta aliança foi uma jogada política de alto risco, e após resultados, de alta precisão. Foi um verdadeiro caminho desde o ódio até ao amor (ou interesse) entre a ex -ministra da segurança e o economista.

Apenas semanas antes voavam acusações de ambos os lados como a de Bullrich ser uma montonera que durante os anos 70 atirava bombas, sendo acusada pelo seu mais tarde futuro parceiro de colocar bombas em jardins de infância. Esta acusação foi desmentida por Bullrich que abriu uma denúncia junto ao Tribunal pelo crime de calúnia e injúrias e não tardou a replicar na mesma moeda acusando o seu adversário de ser instável emocionalmente, o que não era de todo uma qualidade para governar um país.

No entanto, a aliança deu-se porque o interesse de combater o kirchnerismo, causa comum para ambos, falou mais alto. Assim, neste momento, o presidente recentemente eleito precisará desta aliança uma vez que no Congresso possui apenas 38% dos deputados e precisa dos 94 dos deputados do Juntos por el Cambio.

O presidente eleito apenas entrará em funções a 10 de dezembro e no período transitório, como é costume, Alberto Fernandez, atual presidente da República Argentina e o sucessor ao seu cargo sentaram-se para estabelecer uma passagem de poder gradual e sem grandes atropelos. No entanto Milei já exigiu que o Governo se encarregue da transição e que não haverá gradualistas nem “paninhos quentes”.

Na anterior semana, dia 12 de novembro, o atual ministro da economia, candidato à presidência, mostrou os seus mais de 10 anos de conhecimento da vida política e o seu à vontade na oratória relativamente ao candidato anti-casta que ingressou nos últimos anos na vida política no debate entre os dois candidatos.

A discussão dessa longa noite feita na histórica universidade de Direito de Buenos Aires teve algumas lacunas em temas que têm sido razão de debate das últimas semanas, como escândalos de corrupção e os altos níveis de pobreza que têm sido usados pelo libertário para condenar a gestão económica do seu adversários nos últimos 4 anos. 

No final do debate do passado domingo 12 de outubro entre Massa y Milei ficou claro para todos os que assistiam que o tema de maior comodidade para o libertario é o da economia, palavra que mencionou 16 vezes. A discussão dessa longa noite feita na histórica universidade de Direito de Buenos Aires teve algumas lacunas em temas que têm sido razão de debate das últimas semanas, como escândalos de corrupção e os altos níveis de pobreza que têm sido usados pelo libertário para condenar a gestão económica do seu adversários nos últimos 4 anos.  O ainda ministro da economia mostrou os seus mais de 10 anos de conhecimento da vida política e o seu à vontade na oratória relativamente ao candidato anti-casta que ingressou nos últimos anos na vida política durante o debate. Surpreendentemente Milei não utilizou em seu favor os escândalos das semanas anteriores ligadas à corrupção do partido União pela Pátria.

No seu discurso de abertura dessa noite apresenta-se como “economista, liberal liberatrio e especialista no tema de crescimento económico com e sem dinheiro”. 

A sua campanha foi marcada por polémica depois de polémica relativamente ao seu programa e sobretudo às contradições sucessivas relativamente ao seu projeto.

A futura vice presidente, Victoria Villarroel que nos dias seguintes ao debate e numa jogada arriscada a poucos dias das eleições levantou polêmicas ao propor o fim da Interrupção Voluntária da Gravidez, lei promulgada no início de 2021 assim como diversas polémicas sobre os desaparecidos durante a ditadura militar, número que ainda passadas décadas não deixa consenso e que é cada vez mais politizado. A ditadura militar é ainda na Argentina uma ferida aberta que não acaba de sarar e que é sucessivamente trazida a debate por inúmeras razões.

A bandeira do negacionismo sobre o número de desaparecidos é levantada por Villarroel, filha de militares que sustentam que o número de 30 mil desaparecidos durante a ditadura, número que as organizações de direitos humanos reivindicam como o número oficial de desaparecidos, é uma desculpa para continuar a roubar.

Não ajudou na sua imagem da campanha quando surgiram perguntas sobre a relação de Victoria Villarroel e Jorge Rafael Videla ditador durante esses anos, posteriormente condenado naquilo que foi um marco histórico e que ainda hoje traz orgulho aos argentinos (pelo menos a maioria) que foi ter conseguido condenar os ditadores em tribunal. Estas acusações foram levantadas porque a futura vice-presidenta organizou visitas de jovens para que conversassem com Videla, ditador militar condenado por crimes contra a humanidade. Mas a sua ligação aos tempos da ditadura não se limita às visitas a esta figura incontornável da ditadura militar reivindicando a “memória completa” daqueles anos de ditadura. 

Também em 2006, quando foram reabertos os processos, o seu nome constava na lista de contactos do genocida Miguel Osvaldo Etchecolatz, condenado pelos seus crimes contra a humanidade durante a ditadura.

Outra razão que justifica a grande adesão ao candidato é o voto de revolta. ainda que a taxa de abstenção destas eleições tenha sido bastante elevada tendo em conta que o voto é obrigatório, é o voto de revolta.

Os jovens, aqueles que são filhos da democracia, que nasceram em democracia, mas fartos da crise económica, votam na única solução que vêem como possível face às duas alternativas.

Digamos que uma das principais propostas de Milei foi sempre a redução do Estado ao mínimo possível, e como tal prometeu fechar ministérios que considera desnecessários. Quando assumir dia dez de dezembro o liberal irá reduzir o número de ministérios de 18 a 8, deixando vários “afuera” como vociferou durante a campanha eleitoral em vídeos que viralizaram. Ministérios como o da Saúde, da Educação e do desenvolvimento social que serão agrupados no mesmo Ministério por ele criado: o Ministério do Capital Humano; Outros como o das Mulheres, Gênero e Diversidade desaparecerá por completo.

Outra vez com o seu cunho marcadamente economista liberal no âmbito da educação pretende criar um sistema de vouchers e entregar o dinheiro que daria ao ministério aos pais para que estes possam escolher a escola em que pretendem inscrever os seus filhos. 

Também neste âmbito e na lógica de mercado aplicada à saúde, o presidente propôs deixar de subsidiar a oferta, ou seja, os hospitais e financiar a procura, ou seja, os pacientes. 

No entanto, face a estas propostas que fez ao longo da sua campanha no que diz respeito à educação e à saúde, em discursos após a vitória nega que irá privatizar a educação e a saúde, dizendo que isso corresponde às províncias, o que aumenta ainda mais a contradição quanto às suas propostas.

Milei acredita que reduzindo o estado ao seu mínimo, e através da dolarização da economia e a extinção do Banco Central, responsável pela emissão de moeda no país conseguirá resolver os problemas económicos do país graças ao desenvolvimento do comércio e das exportações.

Segunda feira, dia 20, começaram os seus anúncios em rádios nacionais sobre as privatizações, declarando que “Todo lo que pueda estar en las manos del sector privado, va a estar en las manos del sector privado”. Não seria a primeira vez que um presidente se propõe a privatizar tudo o que é estatal. Já o presidente Carlos Menem durante os anos 90 não deixou nenhuma empresa pública por privatizar o que gerou uma grande onda de contestação. Quanto a isso, Milei já declarou que aqueles “que se opongan al cambio por defender sus privilegios”. Milei propoe assim em dois anos conseguir privatizar o setor da energia, as empresas YPF e Enarsa. 

Quanto à sua política exterior desde o primeiro momento foi muito claro de que se aliava com o “mundo livre” como Israel e os Estados Unidos, renunciando completamente àqueles que são os seus maiores sócios comerciais atuais: China e Brasil, rejeitando também que a Argentina entrasse para o grupo das economias emergentes BRICS. Na verdade ele vê o comércio externo como algo que será gerido pelos mercados e que depende dos privados e não do estado.

Como não poderia faltar, também enfrentou o Vaticano dizendo que o papa é um “zurdo asqueroso” (esquerdista nojento) e o “representante del Maligno”, apesar de posteriormente se ter vindo tentar desculpar, esclarecendo que se ele regressasse ao país seria recebido com as honras de um chefe de estado e do chefe espiritual da igreja.

Assim, apesar de Milei se propor a deitar abaixo o que até aqui se construiu, recebe em mãos uma grave crise, altos níveis de pobreza, reservas mínimas e pagamentos em atraso ao Fundo Monetário Internacional.

Resta-nos então esperar e acreditar que este novo presidente cumpra aquilo a que se propôs a cumprir, sem no entanto, destruir os argentinos e as argentinas no processo de alcançar os seus objetivos econômicos.