3 minutos de leitura

“Music is the poetry of the air” - Jean Paul Richter

Oscilo as minhas janelas temporais desocupadas entre a leitura e a poesia musical que nos é oferecida pela mestria melódica de compositores como Wim Mertens.

A razão de ser da minha sugestão de viagem cultural incidir sob este compositor belga reside na harmoniosa combinação do seu seu timbre inigualável, à melodia do piano e ímpar orquestra como pano de fundo - estes configuram uma tríade celestial que ninguém que o escuta é alheio.    

A sua incursão, vocação e dom no panorama musical é na verdade fruto de um acaso - a mestria no seu ofício é corolário dos seus traços físicos nomeadamente o ritmo singular da sua mão esquerda, que o desencaminhou de uma carreira enquanto guitarrista. A sua curiosidade pelas pautas musicais desde cedo se manifestou embora somente mais tarde tivesse dado os primeiros passos em direção a uma carreira no universo musical. 

O frenesim que assola a nossa existência singela impossibilita a reflexão, análise e ponderação. As composições do Wim Mertens convida-nos a parar. A ouvir os silêncios, as pausas, que tantas vezes dizem mais do que qualquer vocábulo. 

Nos primórdios da sua carreira, quando a música estava intrinsecamente associada à sapiência e à seriedade, começou por dar passos contra-corrente tímidos num género musical em que a tradição e o legado dos clássicos tem um peso colossal. 

A magnificência de Wim Mertens, que o tornam aos meus olhos num dos mestres musicais da sua geração, deriva da sua singularidade: conserva a essência labiríntica e intrincada do género musical e adiciona à equação laivos de contemporaneidade. 

Em virtude do seu estilo ser reconhecido pela simplicidade aparente que se opõe à profundidade emocional e intelectual que lhe está intrínseca, é amplamente intitulado de mestre do minimalismo, expressão que subscrevo na íntegra. A simplicidade aparente é, na verdade, um convite à contemplação, permitindo que os ouvintes mergulhem na reflexão que a melodia propicia. 

As suas composições transcendem os limites do rótulo que a categoria musical em que se insere lhe conferiria.  Opõem-se ao imobilismo e aversão ao risco preconizada pela música clássica, através da aliança do legado herdado dos clássicos a géneros musicais como a eletrónica, adicionando assim o fator imprevisibilidade à equação musical e entrando em clivagem com os seus precedentes. 

O roteiro musical trilhado ao longo da sua carreira inclui uma diversidade geográfica imponente que o encaminhou a salas músicas nas mais diversas latitudes. 

Não aspira ser o despertador das consciências contemporâneas, não obstante partilha da convicção de que os músicos não se devem posicionar numa bolha, alheia ao que os envolve. A música tem uma dimensão eminentemente social, razão pela qual deve manter o diálogo e vínculos emocionais com o público e procurar estabelecer pontes entre a herança do passado e o desafio do futuro.

O seu contributo musical contribuiu para a redefinição da essência da música contemporânea através de composições notáveis quanto Struggle For Pleasure e Maximizing the Audience

O auge da sua notoriedade foi alcançado em virtude da inclusão de algumas das suas composições em peças de teatro, filmes e séries. 

A predileção musical de alguém com tamanha mocidade pode configurar um fator de estranheza, embora aos meus olhos não haja nada de exótico na minha preferência. A magnanimidade da música clássica reside na sua capacidade de transcender fronteiras geracionais e espaciais. 

A força anímica da poesia musical, que torna possível a sua resistência à indelével passagem do tempo, reside na capacidade que as composições têm de potenciar a imersão emocional, que os géneros musicais contemporâneos desprovidos de significado e de fito não têm o condão de suscitar. 

Em jeito de comemoração das suas quatro décadas de carreira, assinaladas em 2020, agraciou-nos com concertos em quatro cidades portuguesas. Três anos volvidos, aos setenta anos, viaja até Lisboa, menina e moça, no presente mês de novembro. Com a sua concepção poética da música e sublime mistério subjacente a cada composição o recital que o trará aos palcos de Lisboa deixa ávido de curiosidade os apreciadores de música clássica e do cândido minimalismo que este autor protagoniza.