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A União Europeia, através do Objetivo 55 (Fit for 55), tem vindo a estabelecer um conjunto de propostas destinadas a rever e atualizar a legislação da União e a criar iniciativas com o objetivo de assegurar que as políticas da UE estejam em consonância com os objetivos climáticos acordados pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.

Segundo dados recolhidos pelo Eurostat em 2022 para a Agência Europeia do Ambiente, 22,47% da energia consumida (valores brutos) na União Europeia teve origem em fontes renováveis e, tendo em conta os avanços e incentivos postos em ação pelos diferentes Estados-membros, é expectável (e bem!) que este valor avance rapidamente. No entanto, estas fontes de energia renovável também trazem alguns desafios várias vezes negligenciados pelos decisores políticos, nomeadamente a segurança energética e o impacto estratégico que a energia traz quando utilizada para fins políticos, sendo o maior exemplo recente a disrupção causada pela invasão da Ucrânia.

O objetivo de atingir zero emissões na produção de energia, apesar de nobre, não pode ignorar o contexto geoestratégico onde a União Europeia se insere e, tendo em conta que a maior parte das energias renováveis dependem de fatores incontroláveis como a meteorologia, é de esperar que os combustíveis fósseis ainda estejam presentes durante vários anos nesta transição. De qualquer forma, existe ainda outra fonte de energia alternativa, não renovável (porque depende de uma fonte finita) mas sustentável no que diz respeito às emissões (produz uma quantidade inexpressiva de CO2!), que tem sido pouco discutida como alternativa para diversificar o mix energético europeu e trazer maior segurança energética à União; falo, claro está, da energia nuclear.

O Eurostat indica que, em 2021, cerca de 25% da eletricidade produzida na União teve como origem a energia nuclear, um valor interessante tendo em conta que apenas treze Estados-membros possuem reatores nucleares em atividade; França claramente muito dependente deste tipo de energia, que representou 69% da eletricidade produzida no país. Não poderá ser então o nuclear uma alternativa aos combustíveis fósseis nesta transição para um mix energético assente numa maioria de energias renováveis? Considero que sim, e considero ainda mais que no caso da União Europeia é desejável que tal aconteça, especialmente porque sairíamos reforçados em termos de segurança energética e mais independentes ainda politicamente.

A invasão da Ucrânia veio provar que a União Europeia ainda não estava preparada para depender maioritariamente de energias renováveis, tendo a interrupção de fornecimento de combustíveis fósseis por parte da Rússia causado constrangimentos em vários Estados-membros, fazendo disparar o preço final pago pelas empresas e pelas famílias nas suas faturas de eletricidade. Recorde-se o caso da Alemanha, que após ter decidido (na minha opinião, irracionalmente) encerrar as suas últimas centrais nucleares, foi forçada a reativar centrais a carvão para mitigar o impacto do petróleo que já não fluiu. Caso oposto foi o de França, que passou de certa forma incólume a este incidente energético.

Existem ainda desafios consideráveis para a adoção da energia nuclear, existindo vantagens e desvantagens como em todas as alternativas. Como principais vantagens, no contexto da União Europeia, destaco as emissões reduzidas deste tipo de energia, importantes para atingir os objetivos do Fit for 55, o contributo para a diversificação do mix energético (traz maior segurança energética e maior autonomia geopolítica) e a menor dependência em combustíveis fósseis. No campo das desvantagens há que destacar a dimensão considerável do investimento inicial em reatores nucleares, a gestão dos resíduos nucleares (apesar da sua reduzida dimensão são altamente nocivos) e a possibilidade de acidentes graves em caso de catástrofes naturais que atinjam os reatores (neste caso, aquando do desastre de Fukushima, as centrais nucleares europeias foram sujeitas testes de stress para testar a sua segurança, tendo os mecanismos de segurança testados reagido bem aos incidentes).

Outros países no mundo estão a acordar para a realidade da energia nuclear como forma de reduzir as suas emissões e diversificar o seu mix energético. Particularmente de relevo é o facto de dois grandes poluentes mundiais, a China e a Índia, estarem também a traçar um caminho propício à adoção em maior escala da energia nuclear. De acordo com um relatório da China Nuclear Energy Association, o objetivo atual do país é conseguir que 10% da eletricidade gerada em 2035 tenha como origem a energia nuclear, ou seja, cerca do dobro do valor que hoje em dia vigora; as autoridades já autorizaram a construção de pelo menos mais vinte e um reatores. No caso da Índia, o plano é ainda mais ambicioso, tendo o ministro da Energia Atómica anunciado no final do ano passado que o objetivo é triplicar o contributo do nuclear no mix energético do país. Também o advento de tecnologias inovadoras como os SMRs (Small Modular Reactors) tem vindo a reduzir as barreiras de entrada para países em todo o mundo que queiram iniciar ou expandir a sua produção de energia nuclear de uma forma mais barata, em menor dimensão e com ainda maior segurança e eficiência.

Em jeito de conclusão, considero a energia nuclear como uma alternativa a ter em conta para os Estados-membros que pretendam reduzir as suas emissões enquanto caminham para a implementação de um mix maioritariamente assente em energias renováveis, substituindo assim os combustíveis fósseis altamente poluentes pelo nuclear; neste processo, saem beneficiadas ao aumentar a sua segurança energética e ao estabilizar os preços pagos pelas famílias e empresas.