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Realizadas a 24 de setembro, as eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira ditaram a eleição de 47 deputados do parlamento regional, através de um círculo eleitoral único por representação proporcional, segundo o método D’Hondt.

Seguem, tematicamente divididas, as minhas considerações.

Somos, sem Madeira

Em coligação pré-eleitoral com o CDS-PP, o Partido Social Democrata garantiu mais uma vitória arrasadora em solo madeirense, afastando-se dos phantasmas de 2019, que colocaram o Partido Socialista a menos de 4% de distância dos sociais-democratas.

Contudo, os 58.399 votos (43,1%) que a Coligação Somos Madeira arrecadou, juntamente com a vitória em 100% dos concelhos e 96% das freguesias (52 de 54), não foram suficientes. Elegendo 23 deputados, ficou a 1 de alcançar o seu único e principal objetivo, a maioria absoluta, obrigando a uma abertura negocial com o PAN, de forma a salvaguardar o funcionamento do habitual modelo de maioria.

A fábula da vitória avantajada de Miguel Albuquerque transformou-se em um desavantajado sentimento. Foram vencedores em quase toda a linha, mas não foram Madeira.

Se adicionarmos a percentagem/número de votos do PSD à do CDS-PP (a de 2019), notamos uma pequena descida em relação às mais recentes eleições (de 64.694 para 58.399 votos, de 45,2% para 43,1%). No entanto, não é possível determinar a percentagem ou o número de eleitores pertencentes ao PSD, pelo que, observando as dificuldades eleitorais do CDS-PP no continente, poderá, ou não, ter tido este decréscimo erradamente presumido.

O Derradeiro Perdedor

Ainda que o não-alcance da maioria absoluta, por parte da coligação direitista, tenha representado um semi-sainete para a deturpada realização socialista, agradando a quem, por falta de princípio, nunca aceitaria o vergar da humilhante drapeau blanc, a verdade é que, atendendo à racionalidade e não à religiosidade partidária da política, torna-se impossível não introduzir os resultados do Partido Socialista numa caixa única de total e derradeiro falhanço.

A frota socialista, liderada por Sérgio Gonçalves, registou uma catastrófica descida de 14,5% face às eleições de 2019 (de 35,8% para 21,3%), perdendo a eleição de 8 deputados (de 19 para 11). Consegue, igualmente, a exótica proeza de não conquistar um único concelho ou freguesia em todo o território madeirense (ao contrário de 2019, em que conquistou 4 concelhos e 15 freguesias), perdendo dramaticamente em diversas frentes, como foi o caso do Porto Santo (de 50,7% para 24,7%), do Funchal (de 39% para 23%) e de Santa Cruz (de 30,7% para 15,2%).

A transferência de votos do PS para o JPP e o Chega (e, de forma mais modesta, para os partidos da esquerda radical) foi observável e é, em parte, explicativa do desaire eleitoral.

Seguro, por enquanto…

O CDS-PP consegue igualar, a respeito da eleição de deputados, o resultado de 2019. Dada a crescente tendência derrotista, avalio este resultado como razoável ou moderadamente positivo.

Ainda que não tenha atingido, por meio de coligação, a maioria absoluta, alcança dois objetivos similarmente importantes (na ótica do partido): a manutenção na participação de primeira linha no espaço político nacional e regional, e a manutenção do número de deputados.

É verdade que não é evidente o verdadeiro peso eleitoral do CDS-PP nestas eleições, existindo indícios de uma possível transferência de votos do eleitor tradicional do CDS para o Chega. Mas essas considerações não são relevantes para a confirmação da realização dos dois objetivos mencionados.

Os Grandes Vencedores

Independentemente das conjecturas regimentais e ideológicas ou das opiniões politico-pessoais de cada um (aqui, a separação entre o analista político e o comentador de Facebook de pouco importa, sendo o vício da parcialidade um vício alastradamente não-elitista), só existiram, a meu ver, dois verdadeiros e grandiosos vencedores: o Chega e o JPP.

O Chega volta a apresentar um resultado chorudo. Regista o maior aumento percentual, crescendo 8,5% (não esquecer que, em 2019, o Chega obteve, apenas, 0,4% dos votos), assim como o maior aumento do número de deputados, formando um grupo parlamentar de 4 deputados. Assinala, igualmente, interessantes resultados locais, ficando em 3º lugar em 8 dos 11 concelhos madeirenses, ultrapassando a barreira dos 10% de votos nos concelhos de Ribeira Brava e Câmara dos Lobos (em 2019, o 3º lugar de ambos os concelhos pertencia ao CDS-PP, ainda que com menor expressão, o que poderá levar a uma interpretação de transferência de votos do eleitorado tradicional do CDS-PP para o Chega) e, curiosamente, ficando à frente do PS na freguesia de Santo António da Serra.

Passando para os príncipes de Santa Cruz (e espero que o D. Renato Barros II não leia este artigo), o Juntos Pelo Povo consegue alcançar a admirável proeza de não permitir que o PSD conquistasse o “pleno” das freguesias madeirenses, ao voltar a ganhar as freguesias de Gaula e Santo António da Serra, no concelho de Santa Cruz, obtendo, respetivamente, 45,8% e 46,7% dos votos. Foi o 3º partido mais votado (11% dos votos) e o 2º partido com maior variação positiva de votos (de 7.830 para 14.933, uma variação de 5,6%).

Os Pequenos Vencedores

Considero, aqui, o Bloco de Esquerda, o PAN e a CDU, por terem atingido o seu principal objetivo. No caso do Bloco de Esquerda e do PAN, falo da reconquista da presença parlamentar, e no caso da CDU, falo da renovação dessa mesma presença.

Todos apresentaram um ligeiro aumento percentual face a 2019 (0,5%, 0,8% e 0,9%, respetivamente), ao mesmo tempo que se acompanharam, igualmente, no concelho de melhores resultados individuais (Funchal).

Sem querer desconsiderar o pouco expressivo resultado do PTP na pequena freguesia de Ilha (empatando com o JPP, com 4 votos), a CDU foi, também, o único partido do grupo dos “Outros” que conseguiu ficar à frente do Chega e do JPP numa freguesia (de Curral das Freiras).

O Pequeno dos mais Pequenos Vencedores

No caso da Iniciativa Liberal, dá-se uma importante distinção em comparação aos três casos anteriores.

O principal objetivo da candidatura liberal não era a eleição de um deputado, mas sim, a eleição de um grupo parlamentar, tal como fora mencionado repetidamente pelo líder liberal, Nuno Morna. Ainda que a votação dos liberais tenha passado de 762 para 3.555 eleitores (o 3º maior aumento percentual, de 2,1%), esta não conseguiu, nem eleger um grupo parlamentar, nem fixar-se como líder do grupo dos “Outros”, ficando atrás da CDU.

Pela tendência eleitoral generalizada da queda da esquerda radical e do aumento moderado dos liberais (nas últimas eleições legislativas nacionais, a IL obtive 3,3% dos votos, descendo para 2,6% nestas eleições), entendo que este resultado encontra-se entre o “satisfatório” e o “relativamente desapontante”.

Uma pequena vitória que fica a saber a pouco.

Reflexões pós-eleitorais

I. Confesso que faço parte do grupo de portugueses que ainda está à espera da tão prometida e aguardada demissão do líder social-democrata (da Madeira). Mas como estou, de igual modo, à espera do regresso de el-rei D. Sebastião, ou do apurar dos responsáveis do Atentado de Camarate (e não tendo tido lá grande sucesso em ambos os desaires da nossa Nação), vou presumir que esta não é uma exceção.

Não podemos florear, nem normalizar, a deturpação ética e moral da política. A atitude de Miguel Albuquerque representa, de forma absolutamente perfeita e ponderada, a podridão do ser político moderno, a corrupção do ser ético e a repugnante utilização, para fins políticos, do povo que (ainda) vota.

Não pode ser entendida como uma estratégia, nem tampouco como uma ação à la “raposa política”. Deve ser, sim, entendida, como o mais baixo e rasteiro que a política nacional tem para nos oferecer.

II. A segunda conclusão que retiro é relativa ao significado da utilização política do PAN.

O PAN é, neste momento, o tão procurado “Partido do Sistema”. A relação entre o PAN e os dois partidos do “Centrão” não é diferente da relação figurativa entre o chulo e a prostituta. Em troca de certos favores tematicamente ideológicos, a soberania do razoável sucesso eleitoral do PAN é entregue, de mão-beijada, ao PSD. Isto, porque o único objetivo real do PAN é a conquista pela tomada de ação direta, do poder de realizar as suas bandeiras ideológico-políticas sem precisar de constituir uma percentagem significativa da população portuguesa.

Não afirmo, de todo, que o trabalho negocial entre diferentes partidos de ideologias distintas não seja positivo e saudável para o “funcionamento da democracia”. No entanto, a escolha do PAN para a representação desse tão desejado papel de importância momentânea foi unicamente possível pela sua falta de identidade política. O PSD presume que o PAN não edificará grandes desconcertos ao seu longínquo reinado político de meio século, dando as pequenas migalhas que a cartilha pseudo-ambientalista/ecologista procura. Quando não há personalidade ou identidade política, o verdadeiro trabalho negocial é axículo.

III. Confirmando a tendência que tenho vindo a notar em artigos anteriores, o Chega volta a distinguir-se (e confirmar-se) como a terceira maior força política nacional. E a sua trajetória é, ainda, de subida, ao contrário da idealização genial dos futurólogos e profetas do Apocalipse Chegano.

IV. Independentemente da singular tradição política madeirense, é possível afirmar que a Direita não perdeu a capacidade de ganhar eleições. O somatório dos votos dos partidos de direita foi superior aos do da esquerda (subindo de 47%, em 2019, para 54%, nestas eleições). A fragmentação do eleitorado direitista, entre o Chega e a Iniciativa Liberal, pode ter alterado as contas da maioria-absoluta, mas não colocou em xeque o tamanho regional e eleitoral do PSD e consequente capacidade de ganhar as eleições.