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Certamente já foi possível reparar numa nova tendência que existe em Portugal e no Mundo: a praga de jargões, como a palavra “Natural”, que inundou o comércio. Intensifica-se o aparecimento de expressões como “produtos naturais” em anúncios, corredores de superfícies comerciais, nas etiquetas de algumas marcas de vestuário, comida. Mas já alguma vez se pensou o que significa esse tão atraente, porém vago, conceito de “produtos naturais”? Importa alertar que situações deste tipo poderão significar a presença de um caso de greenwashing.

Uma breve contextualização histórica do conceito: a chegada da década de 50 é marcada pelo surgimento das primeiras campanhas sociais para a adoção de comportamentos amigos do ambiente como, por exemplo, reciclagem de embalagens e copos. Nos anos 70, aquando da primeira celebração do Dia da Terra, um coletivo de Utilidades Públicas procedeu a uma extensa campanha de publicidade propagando a ideia de que seriam empresas amigas do ambiente. Para este efeito, estima-se que o coletivo tenha gasto uma quantia próxima de 300M$. Apesar de ser uma mensagem positiva, esta ação resumiu-se apenas num golpe comercial, visto que a quantia gasta em publicidade por estas mesmas empresas seria maior do que aquela que seria verdadeiramente necessária para que as mesmas convertessem os seus modelos de produção em sistemas amigos do ambiente. Chegados os anos 80, 90 e 2000, o tema das alterações climáticas começou a aparecer mais no debate público e a preocupação pelo ambiente aumentou, e bem. Com efeito, em 1991 surgiu o primeiro estudo revelando que 77% das pessoas procuravam saber a reputação ambiental de uma empresa antes de os contratarem para algum serviço ou para comprarem o produto deles. Durante este período, o aumento de denúncias de publicidade enganosa de produtos “amigos do ambiente” aumentou drasticamente. O conceito greenwashing surge em 1986. A tradução deste conceito significa lavagem verde e corresponde a uma técnica usada por empresas para vender ou melhorar a imagem de um produto com a intenção de transparecer uma ideia de que o mesmo é amigo do ambiente apesar de não corresponder à realidade. É uma atitude fraudulenta, antiética e perigosa que, infelizmente, tem sido normalizada por um grande conjunto de empresas. É comum encontrar denúncias para este tipo de atitudes, mas focam-se nas áreas da aviação, do setor automóvel e nas petrolíferas. Apesar de serem, de facto, setores onde é comum encontrar-se atitudes de greenwashing, a verdade é que a generalização da prática é tão comum que muitas vezes até se está a apoiar uma atitude deste tipo sem se dar por tal.

A concretização deste fenómeno caracteriza-se pelo uso de jargões curtos cuja aceitação seja elevada, porém, pouco clara. Por exemplo, produto eco-friendly, de origem natural e sustentável, cruelty free, de origem reciclável. Naturalmente que o homem médio, vulgar expressão jurídica para se referir ao entendimento geral da população, iria questionar o mal deste conjunto de jargões. E a resposta é simples: é um mal disfarçado. Em primeiro lugar, importa referir que o conceito de eco-friendly significa algo que não tem um impacto negativo no ambiente. Não obstante a mensagem positiva presente nesta definição, não se pode deixar de denunciar a existência de uma falácia dado o facto de que não se pode afirmar a existência de comportamentos que, no dia-a-dia ,tenham um impacto totalmente positivo no ambiente. Um exemplo deste conjunto de comportamentos eco-friendly com impacto ambiental não só é nulo, mas significativo, é o setor dos transportes. Começo por falar dos carros elétricos e das suas emissões reduzidas. Apesar de ser, a longo prazo, verdade, é igualmente verdade que a produção de um carro elétrico é mais poluente que a de um veículo convencional. Outro exemplo, mas com uma escala maior, é o dos os comboios e metros que (quando funcionam) funcionam a eletricidade à semelhança dos veículos elétricos. Neste caso, fala-se numa redução das emissões de carbono, mas não se menciona algo: a origem da eletricidade. É sabido que as duas principais fontes de eletricidade em Portugal são as renováveis e as não renováveis, tendo origem nos combustíveis fósseis. Apenas 34% do total da energia consumida em Portugal é de origem renovável, ou seja, 2/3 da eletricidade deriva de combustíveis fósseis, sendo que parte ou totalidade desta sustenta os metros, comboios e veículos elétricos. Se, por um lado, se assiste a uma relativa redução das emissões, por outro, assiste-se igualmente a uma deslocalização da poluição das zonas urbanas para as zonas suburbanas. Desta forma, o que acontece verdadeiramente não é uma procura por menores emissões, mas sim uma descentralização dessas emissões. O problema é reduzido, mas em vez de se procurar reduzir mais, desloca-se.

Quanto ao natural e/ou sustentável, esta é talvez a parte mais sensível e falaciosa ao mesmo tempo. O conceito de natural é claro, mas maleável. Pelo facto de um produto ter origem vegetal, pode ser considerado natural, mas se a produção desse mesmo implicar a utilização de pesticidas, herbicidas com componentes como o arsénico (substância tóxica cuja exposição humana ao mesmo pode ser letal) fertilizantes químicos para a terra, a poluição não deixou de acontecer. Por semelhante modo, se alguém usar copos de papel ou palhinhas de papel, reduziu-se no consumo de plástico mas continuou-se a ter de se cortar árvores para se fazer esses copos e palhinhas. Um produto pode ser cruelty-free mas se contiver formaldeído, uma substância tóxica e cancerígena presente, por exemplo, em produtos de cosmética, pode não haver sofrimento animal, mas isso não significa que o uso por humanos possa ser considerado seguro em casos de longa exposição. Mas então o que se faz? Abandonamos tudo porque tudo é mau para o ambiente? A resposta é óbvia: não se pode parar tudo. Tem é de se adotar uma postura de moderação associada também à consciencialização daquilo que se faz, o impacto, e procurar adotar uma conduta responsável. O uso de veículos elétricos e transportes públicos continua a ser recomendado por questões de conforto e mesmo que haja uma descentralização da poluição, não se pode negar que exista uma melhoria da qualidade do ar nos centros urbanos e isso beneficia a nossa saúde -nem tudo é negativo. Sobre a origem dos produtos consumidos, deve haver uma aposta não necessariamente na origem do produto ou onde foi testado, mas sim na forma de produção. O consumo de um produto de origem biológica devidamente regulada por agências governamentais deste país, da UE e mesmo do mundo, uma certificação própria que resulta na aquisição, permite a aquisição de produtos de melhor qualidade com um impacto da poluição menor. É uma produção 3 em 1: natural, sustentável e cruelty-free! O que importa é reconhecer que qualquer ação terá sempre um impacto na natureza, seja maior ou menor. Assegurar se as nossas intenções vão ao encontro das intenções das empresas é algo também importante e o que acontece é que muitas vezes estas não coincidem. É nestas situações quando há uma boa vontade mas um produto mascarado de amigo do ambiente, que assistimos ao fenómeno do greenwashing. E isto não significa que seja inteiramente culpa do consumidor. Infelizmente a literacia para os assuntos ambientais em Portugal é bastante reduzida, mas isso não significa que não sejamos capazes de melhorar. Trata-se de prestar atenção aos produtos que se compra, escolher bem as origens e, em caso de suspeita de greenwashing, denunciar. Graças ao papel dos consumidores, a vigilância foi intensificada pelos Estados. Contudo, continua a ser insuficiente. Estima-se que cerca de 42% das empresas na União Europeia que publicitam os seus produtos como sendo amigos do ambiente, não estão a ser honestas. Por um lado é bom sinal, significa que os restantes estão a ser verdadeiros. Ainda assim, é um longo caminho a fazer, e com a ajuda de todos, estes 58%, serão cada vez maiores.

Desta forma, da próxima vez que se quiser às compras, quando se deparar com um produto que se aclame como sendo eco-friendly ou sustentável, confira com estes 10 passos para assegurar que essa reivindicação é legítima:

I. Clareza quanto aos componentes do produto e origem;

II. Controlo de paradoxos: não faz sentido uma empresa fazer promoção de um combustível ecológico para carros quando a poluição de um carro continua a ser superior à de qualquer transporte público ou quando a produção desse mesmo combustível é igualmente poluente;

III. Certificação por uma agência governamental especializada;

IV. Linguagem simples e acessível para que todos possam compreender;

V. Justificação da reivindicação de produto eco-friendly;

VI. Pesquisar sobre a marca antes de se comprar o produto a fim de ver possíveis denúncias de greenwashing;

VII. Embalagens com bastantes elementos naturais (ex.: florestas, lagos) mas depois contenham plástico;

VIII. Promessas irrealizáveis: promessa de uma empresa alterar a longo prazo uma conduta;

IX. Falta de clareza quanto ao que é reciclável, se é só a embalagem exterior ou também o conteúdo interior, e se sim, a percentagem;

X. Sempre que possível, optar por pequenos produtores ou pequenos comércios onde seja possível conhecer melhor quem dirige e trabalha.