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No último dia de Setembro, milhares de pessoas saíram das suas casas (outras tantas, as que já não as possuem, é-me impossível especificar de onde vieram) em 24 cidades do país, a fim de reivindicar o direito à habitação previsto na Constituição da República Portuguesa. Em muitos dos cartazes constavam as diferenças entre os salários da população e os valores da habitação, na maioria das vezes quase nulas. Noutros, condenava-se o facto de existirem tantas casas vazias através do moto: “Nem gente sem casa, nem casa sem gente”.

Todavia, os mais curiosos foram os cartazes que, com um pequeno twist nas famosas letras dos cânticos de abril, expuseram, brilhantemente, o estado a que chegámos. Nos dias que decorrem, a habitação já não é um direito, bem como não o é a saúde, nem a educação. Estes passaram a ser um luxo a que, naturalmente, nem todos têm acesso. António Costa defende tratar-se de um problema transversal a todas as cidades europeias. Talvez para tranquilizar o histórico povo mártir habituado a sofrer, que desta vez o sofrimento é partilhado pelos vizinhos europeus ou, mais certamente, para ´sacudir a água do capote´.

Confrontado com a situação atual, o primeiro-ministro é entrevistado pela CNN com o intuito de explicar ao povo português o que está a ser feito para melhorar a sua situação. A entrevista foi pouco elucidativa no que toca ao tema, com o Dr. António Costa a optar por responder a certas perguntas sem dar nenhuma resposta às mesmas. Quando relembrado da promessa de que todos os portugueses teriam, 50 anos depois do 25 de abril, habitação condigna, o primeiro-ministro percorre uma série de medidas implementadas. A sua justificação para o incumprimento desta mesma promessa foi a enunciação de que “as políticas não começam pelo telhado”, mas antes pelas “fundações”.

Relativamente à aprovação do programa Mais Habitação após o veto do Presidente da República, Costa explica que este não foi um mero exercício de poder da sua maioria absoluta. O primeiro-ministro explana que não estão todos contra este programa, mas antes uns contra os outros. A esquerda guerreia com a direita e ambas se opõem às medidas do Governo, por motivos diferentes.

A direita acredita que se deve preservar a propriedade privada e os vistos gold, e que não se pode, em circunstância alguma, prejudicar as famílias que dependem do alojamento local. A esquerda, por sua vez, contestou a ausência de uma limitação ao valor das rendas e a proibição da venda de casas a não-residentes. Para além disso, exigiu o combate à especulação imobiliária e financeira, a suspensão dos despejos e a descida das prestações do crédito à habitação. Já os manifestantes posicionam-se contra a estaticidade do Governo e contra a direita, por crerem que “o direito à habitação prevalece sobre qualquer outro direito”, inclusive sobre o direito à propriedade.

Este programa, que entrou em vigor no dia 7 do presente mês, conta com uma série de medidas “poderosas”, segundo Costa. Estas dissertam temas como o arrendamento, os alojamentos locais, os imóveis devolutos, os vistos gold e os impostos. Entre estas encontra-se uma nova limitação à subida de rendas dos novos contratos, para fazer face ao aumento de 13% verificado no 2º trimestre deste ano. Segundo esta, novos contratos de casas que estiveram no mercado nos últimos 5 anos não podem aumentar o valor da renda em 2% face à anterior.

Um estudo liderado pela OCDE em 2019 averiguou que Portugal é o país europeu com mais casas por habitante, com cerca de 730 mil destas vazias. Quatro anos depois, pouco mudou. Como resultado foi implementada uma medida direcionada ao arrendamento forçado de habitações que estejam há mais de dois anos classificadas como devolutas. O arrendamento destas casas “não pode exceder em 30% os limites gerais de preço de renda por tipologia em função do concelho onde se localiza o imóvel”. Se 30% é ou não uma percentagem exorbitante, deixo-o ao critério do leitor.

Outro estudo, desta vez conduzido pelo INE, com base nos dados dos Censos de 2021, apurou que entre 2011 e 2021 foram construídos cerca de 111 mil edifícios, o que corresponde a 3,1% do parque habitacional em Portugal. Este valor é bastante inferior quando comparado com décadas anteriores, em que “as taxas de variação foram sempre superiores a 10% para os edifícios”.

Dados mais recentes lançados pelo INE revelam que, entre janeiro e setembro do ano passado, só se construiu uma casa por cada nove vendidas. Na área metropolitana de Lisboa este problema é ainda mais agudo, tendo sido vendidas 12 casas por cada uma construída. A nova estratégia de incentivo à construção é impercetível. Sabe-se apenas que será disponibilizada uma linha de financiamento de 250 milhões de euros para construção ou reabilitação de habitações e mais 150 milhões para os municípios poderem realizar obras coercivas.

No que concerne aos Alojamentos Locais, será suspensa a cedência de novas licenças fora de territórios do interior do país, assim como será concedido um incentivo à mudança das casas de AL para arrendamento. Se os proprietários decidirem retirar as suas casas do AL até ao final de 2024 e as colocarem posteriormente para arrendamento habitacional, poderão receber uma isenção de IRS ou IRC sobre as suas rendas até ao final de 2029. Para além disso, poderão também celebrar o facto de passarem a não estar sujeitos a quaisquer tetos nos valores da renda que pretendiam aplicar. Ademais, os condomínios poderão opor-se aos alojamentos locais e haverá uma reapreciação dos registos de alojamento local. A caducidade de registos de AL não é aplicável à exploração de unidades de alojamento local em residência própria e permanente, desde que esta exploração não ultrapasse os 120 dias anuais.

A acrescentar a esta medida que fez comichão à direita, temos a cereja no topo do bolo: o adeus aos vistos gold. Não serão admitidos novos pedidos de concessão de autorizações de residência para investimento em habitação, mas a possibilidade de renovação dos vistos já concedidos não será afetada.

A nível fiscal, o programa Mais Habitação prevê a redução de 28% para 25% da taxa especial de IRS sobre as rendas e o reforço da redução da taxa de imposto para os contratos de maior duração. Prevê, também, benefícios fiscais para obras de casas do arrendamento acessível e incentivos ao arrendamento habitacional a custos acessíveis e à venda de imóveis ao Estado. Costa destaca, ainda, a bonificação dos juros sempre que a prestação da casa exceder os 35% da capacidade de esforço de pessoas com rendimentos até 2700 euros mensais.

A eficácia destas medidas é questionável. Não necessariamente pelo conteúdo das mesmas, mas antes pela reação tardia do Governo, que pondera demoradamente sobre assuntos que exigem uma resposta imediata. Tal como os sociais-democratas notaram, a gravidade da situação atual podia ter sido atenuada caso a votação da proposta que apresentaram em fevereiro para reduzir a taxa de juro e aliviar a prestação do crédito à habitação não tivesse sido empurrada para outubro pelo Partido Socialista, juntamente com as restantes propostas da oposição.

O cenário do país é enredado: para cada lado que olhamos encontramos um setor que não funciona. Veremos se o Dr. António Costa é um visionário, ou se não deveria ter ignorado a oposição, que se demonstrou bastante cética relativamente ao funcionamento destas medidas. Aos portugueses pede-se paciência. Estas medidas tanto têm de “poderosas” como de vagarosas. Já sabem que se as políticas começarem pelo telhado, isto dá para o torto.