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Em 1984, Kerry Noble entrou numa igreja para homossexuais em Kansas City nos Estados Unidos a segurar numa pasta que continha explosivos. Kerry esperou pelo momento certo enquanto estava sentado no meio de uma multidão de cerca de sessenta pessoas.

“Tudo o que eu tinha de fazer era acertar o cronómetro e sair”, disse Noble. “Cerca de 10 ou 15 minutos depois, haveria uma explosão e todos morreriam.” Pensou que iria começar uma revolução. Como membro do grupo “Covenant, Sword and the Arm of the Lord” (CSA), estava numa missão para acabar com homossexuais, negros e judeus, minorias que o culto o havia feito odiar.

No entanto, enquanto Noble estava sentado no meio da multidão, pôde observar o seu inimigo. E este “inimigo” não era tão diferente como pensava, o que o fez ponderar sobre as consequências do que seria o maior ataque terrorista nos Estados Unidos até à época. Então, pegou na pasta e saiu.

Anos mais tarde, Noble participou na Convenção Anual da American Psychological Association de 2002, em Chicago, durante a sessão com o tema “Cultos de Ódio”. Nesta reunião, ex-membros de diversos cultos e especialistas pediram à associação que criasse uma Task Force para investigar os efeitos psicológicos do controlo social e comportamental dos cultos destrutivos.

Alan W. Scheflin, considerado um especialista nas áreas do controlo mental e comportamental, da memória e da hipnose, disse à associação:

“Está na altura de os psicólogos investigarem os cultos e o seu impacto, especialmente à luz dos ataques terroristas do 11 de setembro. Para entender completamente os fatores psicológicos que levam ao terrorismo, as respostas podem estar na compreensão dos cultos.”

Steve Hassan, ex-membro de um culto e agora especialista em ajudar vítimas de controlo mental destrutivo acrescentou: “Al Qaeda cumpre os critérios para ser considerado um culto destrutivo. Devemos, por isso, aplicar o que sabemos sobre estes cultos na guerra que travamos contra o terrorismo. Temos de compreender as causas psicológicas que levam um indivíduo a ser recrutado e doutrinado, para que possamos desacelerar este processo, através do diálogo com antigas vítimas de métodos de controlo mental e comportamental”.

O que é um Culto?

Grupos a que damos o nome de “culto” existiram em praticamente todos os países ao longo da história da Humanidade. No entanto, em 1978, um evento chocou o mundo: o massacre de Jonestown, sobre o qual irei falar mais à frente. A destruição que resultou deste acontecimento alterou para sempre o significado da palavra “culto” e motivou inúmeros cientistas a realizarem estudos com o objetivo de a definir.

As três principais características são:

A existência de um líder carismático e autoritário, que deseja ser venerado como um Deus Um processo de doutrinação, de reforma de ideais, ou mesmo controlo do pensamento A exploração e aproveitamento dos membros do culto, podendo ser sexual, económica ou pessoal

No entanto, esta definição é demasiado subjetiva, e pode, facilmente, incluir diversas religiões. O termo “culto” foi frequentemente utilizado para adjetivar religiões não ortodoxas. Por exemplo, o Império Romano defendia que o Judaísmo era um culto.

Para além disso, qualquer profeta pode ser considerado um líder carismático e as ideias que apresenta podem radicalmente alterar a forma de vida da sociedade à sua volta. A diferença está na última característica, no aproveitamento negativo dos seus seguidores, consequência de uma mensagem e ideologia nefastas. A maioria dos cultos pode ser classificada em quatro categorias: apocalípticos, sexuais, políticos ou religiosos.

O que faz com que um Novo Movimento Religioso degenere num culto?

Novos movimentos religiosos nasceram para ajudar e guiar a Humanidade em tempos atribulados da História. Na verdade, muitos cultos nasceram, originalmente, com a intenção de tornar o mundo num lugar melhor, muitas vezes derivados de religiões como o Cristianismo, como podemos observar no nome de alguns dos mais conhecidos cultos como “People’s Temple”, “Children of God” e “Heaven’s Gate”.

O problema está na falha da natureza humana, que faz com que o idealismo facilmente se transforme no autoritarismo, pois o líder começa realmente a acreditar que é Deus na Terra e que a sua mensagem é divina, menosprezando os seus seguidores e iniciando a terceira característica, o aproveitamento dos membros do culto. Contudo, nem todos os líderes de cultos se tornaram, acidentalmente, autoritários. Olhemos para alguns dos cultos mais conhecidos do século XX.

People’s Temple

Jim Jones, criador e líder do culto “People’s Temple”, estudou durante vários anos as estratégias de conversão de um outro líder autoritário, conhecido como Father Divine, as quais adotou na criação do seu culto, que dizia ser uma utopia, que unia todas as etnias numa só família. Os supostos valores idílicos defendidos por Jones atraíram muitos seguidores, que se sentiam como fazendo parte de algo revolucionário, numa altura marcada pela segregação racial.

Em 1974, depois de começarem a circular reportagens negativas e histórias de abuso dentro do grupo, Jim convenceu quase mil pessoas a mudarem-se para a selva remota da Guiana para construir Jonestown, uma comunidade autossuficiente, e livre da violência e do racismo americano. Todavia, os rumores de atrocidades realizadas dentro do grupo não cessaram e, em 1978, Leo Ryan, membro do congresso americano, foi até à Guiana para investigar, tendo sido assassinado.

Foram encontradas gravações de Jim Jones que dizem: “É demasiado tarde, o congressista morreu. Se não podemos viver em paz, morreremos em paz”. As imagens de 917 pessoas, que se suicidaram em conjunto, chocaram o mundo. Muitas beberam um ponche envenenado, outras dispararam contra si próprias. No entanto, anos mais tarde, sobreviventes do ataque defendem que não foi um suicídio, mas sim um genocídio, pois Jim ordenou que se matasse primeiro as crianças, injetando-lhes veneno, para que os pais não tivessem vontade de viver e se voluntariassem para beber o veneno. Um total de 300 crianças foram encontradas mortas, pelas “enfermeiras” ou pelos próprios pais, apoiantes fanáticos da causa.

Children of God

Outro culto referido anteriormente “Children’s of God” ficou também conhecido pela crueldade infantil. O lema do grupo era “Free Love” (Amor Livre), e o seu líder David Berg defendia que Deus era amor e amor era sexo e, por isso, não deveria haver limites impostos. O abuso sexual de menores era encorajado desde bebés de 2 ou 3 anos. Este culto chegou aos 10 000 membros e integrou-se em 130 comunidades em todo o mundo. Os atores de Hollywood, Rose McGowan e Joaquin Phoenix, nasceram e foram criados no seio deste culto.

As histórias destes cultos podem levar-nos a ponderar como é que alguém pode escolher fazer parte de algo assim. Contudo, existem estratégias psicológicas de controlo mental, comportamental e social utilizadas para atrair e converter membros, até que estes creiam cegamente no seu líder. Estas estratégias foram utilizadas durante toda a História por ditadores e líderes terroristas.

Como criar um culto?

Em primeiro lugar, é preciso notar que pessoas com baixa autoestima ou que estão numa fase transitória da sua vida estarão mais dispostas a experimentar novas atividades sendo, por isso, mais vulneráveis às estratégias de atração destes grupos. No início, é algo muito subtil, como um questionário com perguntas sobre a nossa vida ou como nos sentimos em relação ao estado do mundo, ou uma simples aula de meditação, ou de “educação religiosa”.

Seguidamente, os novos participantes são “love-bombed”, isto é, “bombardeados” com amor e carinho, para que se sintam acolhidos e especiais, e tenham vontade de regressar aos encontros. Muitos destes cultos oferecem uma ilusão de conforto e de pertença a algo superior, e satisfazem o desejo humano de encontrar respostas absolutas para o sentido da vida.

Outra estratégia adotada é a criação de um inimigo, fator comum em todos os cultos, pois esta perspetiva facilita a união dentro do grupo, mas também a confiança total no líder, o único capaz de proteger os membros da ameaça externa. Frequentemente, os apoiantes do grupo são levados para um local isolado do mundo real, pois facilita a disseminação de determinadas ideologias e dificulta o abandono do grupo.

Finalmente, os líderes de cultos são pessoas que padecem de sociopatia, sendo controladores comportamentais e narcisistas, que possuem a habilidade de facilmente manipular aqueles à sua volta. Técnicas de influência social como “peer pressure”, pressão exercida por determinado grupo no indivíduo; auto-incriminação (esta estratégia era uma das preferidas de Jim Jones, que pedia aos membros do grupo para escreverem num papel os seus medos e confissões mais profundas, utilizando depois essa informação para os controlar ou humilhar publicamente); “lavagem cerebral” através da repetição de frases e do isolamento da realidade para que os membros não possam verificar a autenticidade do que é proferido; e a paranoia gerada por ameaças e medo do que acontecerá, por exemplo, à família da pessoa se esta tentar fugir.

Cultos na Atualidade

Seria, contudo, errado considerar que os cultos são algo que pertence ao passado. A formação de novas comunidades virtuais, unidas através da internet, espaços de troca de opiniões e de informações falsas, podem ter características semelhantes a um culto sem ser necessária a presença de um líder. O crescimento alarmante de redes sociais como Reddit, Facebook e Twitter, e uma geração de jovens adultos que se sentem sozinhos e isolados e querem, desesperadamente, sentir-se integrados, está já a ter consequências no mundo real.

Atentados com dezenas de mortos chegam a ser anunciados ou até partilhados em lives nestas plataformas digitais, o que prova que estes grupos não devem ser desvalorizados. Para além disto, para grande desagrado dos sobreviventes de antigos cultos, as gerações mais novas têm tendência a ridicularizar ou desvalorizar este tema, sendo a venda de merchandizing dos cultos acima mencionados extremamente popular.

É possível concluir que, apesar de os cultos fazerem parte da história da civilização humana, o seu crescimento é alarmante e, como foi defendido pelos psicólogos na convenção de 2002, deve ser considerado. Todos somos vulneráveis à influência daqueles que estão à nossa volta, e tal como Kerry Noble disse: “Aprendi que o ódio é um comportamento aprendido.”