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No início do mês de Outubro começou a ser publicado nos muy fiáveis meios de comunicação nacional um desentendimento aparente entre o acordo de mobilidade europeu e o acordo de mobilidade da CPLP. Longe de me pretender aventurar em legalismos comunitários, que entenda-se, julgo que a Pátria devia ter o mesmo rigor no seu cumprimento, que germânicos de toda a espécie, é de minha intenção, face a alguma contestação que tenho presenciado, demonstrar como é um acordo e princípio de rumo profundamente benéfico para a Nação, e que tal qual bom-senso entre os bloquistas, se trata de uma raridade em Portugal, uma política bem conseguida por parte dos socialistas, sobretudo num tema continentalmente tratado com tamanha imprudência e ausência de pensamento além do minuto adjacente.

É de minha profunda crença que a mais básica função de todo e qualquer estado é a manutenção da amizade entre os homens. Isto é, que existe uma quantidade de valores, costumes e entendimentos nacionais que permitem que todos os homens considerem o seu vizinho como algo mais que um próximo, como família. Que estejam impedidos pelas semelhanças de perpetuar injúrias sem pesar, e que na sua companhia, seja em que latitude for, encontrem algo de caseiro. Esta amizade, que deve ser sempre um concreto circunscrito e nunca uma vã Humanidade, que nada diz a ninguém e que não move qualquer homem a luta mortífera se necessário, cria um propósito, um sentimento de pretensa e aceitação, de nosso, que benéfico ou nocivo, não pretendo fazer a apologia aqui, é profundamente humano. Por mais utopias e aterradoras pretensões de mudança do homem que tenhamos em mente, a prática indica-nos uma realidade simples, os humanos nas suas comunidades precisam de um conjunto comum de base de valores que permita criar laços sociais saudáveis e a perseguição da paz. Por oposição, e não é muito difícil pensar em exemplos, usualmente a presença no mesmo espaço de dois indivíduos com éticas e modus vivendis muito distantes costuma ser marcada por alguma hostilidade e regularmente um certo desprezo pelo outro, e se isto é possível dentro de uma mesma comunidade, onde mesmo em desacordo, é possível compreender a posição do outro, por mais distante ou absurda que seja, imaginemos entre dois indivíduos de mundos culturais tão diversos e chocantes que o simples acto de compressão se torna num quase exercicio de relativismo, quanto mais a aceitação.

O que se tem observado na Europa é uma tentativa de compensação da população perdida pela crise demográfica com população imigrante, usualmente e em larga escala de países particularmente longínquos e culturalmente bizarros. O problema dessa realidade encontra-se justamente no que, acima, em breves e simplificadas palavras, fiz por demonstrar. Ausentes de devida integração, esses povos migrantes são culturalmente excessivamente diferentes dos povos europeus e dificilmente, e leia-se este dificilmente como impossivelmente, serão considerados simplesmente como mais um no seu estado de acolhimento. E um estado, pois de uma nação já não se trataria, onde existissem dois ou diversos grupos relevantes particularmente distantes e indiferentes ao outro, e falo em realismo e não em imaginários hipotéticos, onde as leis desejadas e vistas como morais de um lado seriam uma ultrajante blasfêmia do outro e a fraternidade entre compatriotas seria proporcional ao sentimento perante um qualquer estrangeiro para lá da Taprobana, seria um estado a um tiro perdido, a um incidente social, a um acto mal calibrado de uma escalada em direcção à guerra civil. Por muito que alguns de nós gostássemos que fosse de outra forma, a tendência humana é para nos conectarmos com algo que nos complete e aceite, com algo que nos seja comum e fraterno, que aquece e nos permita sentir em casa, e desse belo tira-se forçosamente algo, para existir um nosso, um particular caseiro, tem que existir um outro, um particular forasteiro.

Dentro dos factores de união, se existe algo que cria, entre nós, essa fraternidade, é a religião. Carentes de religião estatal e dotados de laicidade, os estados europeus vêem-se impedidos de acção, provavelmente na maior das distinções entre indivíduos e os seus entendimentos do mundo. E se alguém julga que lei, língua e temperamento cultural comum são suficientes para a necessária homogeneidade, convido ao pensamento sobre a antiga Jugoslávia, onde a principal diferença entre os eslavos do sul, a religiosa, os levou a uma odiosa e sangrenta guerra. Quanto à possibilidade ecumênica de várias religiões em proporções significativas coabitarem pacificamente, apresentem-me o exemplo histórico e vos darei razão, e caro contestatário, recorde-se, as sociedades europeias são monoteístas. A somar, a ausência de serviço militar obrigatório que, já ensinavam os romanos, cria laços comuns e homogeniza, deixa a missão da unidade à língua e a lei, uma não falada na casa e nas largas comunidades dos migrantes, a outra desrespeitada e agilizada em nome de um prepóstero entendimento de tolerância. Fica a educação que, despida de características morais, não deixa de ter o seu impacto, mas suspeita-me ser insuficiente. Sem hábitos, moral, pertença e legalidade de facto comum não é difícil compreender como uma imigração desregulada e não criteriosa pode vir a causar problemas em Portugal, como já tem causada dentro da União, em sociedades que já se provaram incapazes ou ideologicamente desinteressadas de homogeneizar a sua população, o que tem sido causador de grande tensão social. A Pátria por virtude geográfica estando afastada da complicada crise migratória do Mediterrâneo, que entenda-se por dilemas morais de outra complexidade, possui uma escolha política viável em relação à sua política de imigraçao sem afectar a sua moral pública, e é justamente aqui que entra o acordo da CPLP.

Suspeito que seja verdade inquestionável que um angolano ou cabo-verdiano é culturalmente mais semelhante a um português que um paquistanês ou um indonésio. Também suspeito ser realidade de fácil acordo que a pretensa a uma mesma religião, língua, história partilhada e alguma ritualística, facilita a integração de povos estrangeiros no país de acolhimento. São menos as barreiras, são maiores as semelhanças, é mais fácil a comunicação entre naturais e vindouros. Do mais, qualquer alemão ou húngaro facilmente imigra para Portugal, e tirando os perseguidores de duendes do arco-íris que são os crentes no povo europeu, é pensamento comum que um brasileiro ou um timorense tem um temperamento bem mais lusitano que os povos supramencionados. Ora, por certo seria preferível, e isso não poderia deixar de referir, uma política forte e bem pensada de natalidade. Todavia, como devemos imaginar, é algo que leva o seu tempo a causar impactos (tempo esse excessivo para ser útil a eleições, note-se) e a crise demográfica é uma realidade já bem presente no quotidiano nacional. Como tal, e embora caiba a prudência medidas de incentivo à natalidade serem colocadas em práctica, no meio tempo a criação de acordos com estados culturalmente similares que permitam alguma reposição demográfica de fácil conversão cultural, a continuidade da execução de funções societariamente indesejáveis mas imprescindíveis, o pelo menos retardar de uma problemática questão com o sistema social e ainda o aprofundamento de relações com aquele que é o caminho mais recto e estabelecido para Portugal, o da CPLP. Além de se tratar de uma política de imigraçao responsável, ainda reforça laços com a lusofonia, que se, bem guiados e aprofundados, podem garantir à Pátria uma viabilidade de existência além da castradora União, um bloco de auxílio em questões internacionais, que em tantas e conhecidas situações falta, e se astúcia política houver e as imprescindíveis obras públicas forem colocadas em marcha, com os devidos pactos comerciais pode se procurar fazer de Portugal um porto europeu de comércio privilégio com esses estados. A União Europeia encontra-se num estado frágil, nunca representou os interesses da Pátria e com um caducar dos tão amados subsídios talvez seja altura de começar a procurar pilares, não digo outros, mas reais, para o desenvolvimento nacional, não necessariamente em antagonismo, mas em complementaridade à União. Em nota, deixo só que o entendimento que quis fazer passar de homogeneidade, traduz-se numa base comum de valores e crenças que devem ser algo sacras dentro de uma comunidade e não uma total alienação das pequenas diferenças e clivagens de pensamento construídas em cima dessa base que são imensamente benéficas e contribuidoras para o bem-estar e graça da vida.

Em suma, o acordo de mobilidade da CPLP é um remendo viável para a crise demográfica e extremamente mais preferível que a atracção de povos alheios, devido a facilidade de integração dos imigrantes pela sua proximidade cultural. Reforço a importância que estes acordos podem vir a ter na situação internacional portuguesa, que se bem gizados podem muito bem vir a ser um rumo de desenvolvimento e fonte de profícua cooperação futura. Apelo, igualmente, que não se perca o norte, e se julgue, como me aparenta muitas vezes se tratar, que um povo meramente por vir de um continente diferente é manifestamente mais distante de nós que os continentais, tal não compõe mundo, os cidadãos dos estados da CPLP serão sempre mais portugueses que qualquer próximo mas tão distante castilhano.