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Pela iniciativa de vários membros do parlamento, foi pedido ao Senado Romeno, em 2011, tornar o dia 31 de Agosto como o “Dia da Língua Romena”. Promulgado apenas em Março de 2013 pelo ex-presidente da Roménia, Traian Băsescu, comunidades, organizações e associações romenas já celebravam o feriado na Bulgária, Sérvia, Ucrânia e Hungria desde a sua anunciação, exigindo ao Estado Romeno que também reconhecesse o feriado.

Mas a celebração da língua romena já vem de tempos soviéticos. A 23 de Junho de 1990, na então República Socialista Soviética da Moldávia, os moldavos celebravam o feriado intitulado “Limba noastră cea română” (A nossa língua romena), mas que viu o seu nome alterado para apenas “Limba noastră” (A nossa língua) em 1994, data em que foi proclamada a Constituição da República da Moldávia.


Esta data aponta para um marco importante na história dos “povos romenos”. Com a proclamação da independência em 1991, a integridade do entendido povo romeno vê-se posta em causa. A Moldávia, como região territorial, vê-se dividida ao meio pelo rio Prut. A metade que permanece sob a soberania do Estado Romeno mantém o seu nome, enquanto que a “Moldávia pr’além do Prut” (vulgarmente chamada em romeno) passa a chamar-se República Moldova, ou Bessarábia para os nacionalistas romenos. Se visitar a Roménia verá, certamente, grafitado “Bassarabia e România 1918” (Bessarábia é Roménia 1918), alusivo à Grande Roménia do pós-Grande Guerra.

Mas esta divisão não se dá apenas no âmbito territorial. A República da Moldávia, “russificada” por mais de 50 anos, passou por processos de desidentificação totais, a nível político, social e especialmente cultural. Adota-se o alfabeto cirílico ao invés do latino e o léxico russo invade a língua romena e nela deposita marcas que até hoje perduram. A isto se deve que em 1994, aquando da redação da Constituição, os moldavos sofriam de uma crise de identidade, entre quem foram antes de 1941, e entre 1941 e 1991.

A Moldávia então proclama-se com uma nova entidade, onde não é russo nem romeno, mas moldavo aquele que a integra. O artigo 13º da Constituição da República da Moldávia de 1994 dita que “A língua de estado da República Moldova é a língua moldava, que funciona à base da grafia latina”. Mas essa formulação contraria o texto publicado na declaração da independência de 1991 que refere que o Parlamento da República Moldova decretou o romeno como língua de estado e a reintrodução do alfabeto latino.

Então a Moldávia encontra-se nesse limbo, com um pé na Roménia e um pé na maré russa, sem saber qual dos pés há de levantar. A Roménia reconheceu a independência da República Moldova poucas horas depois de essa a proclamar, mas é de conhecimento comum que o espírito geral da nação romena é o de reunificação com os irmãos para além do Prut. As sondagens recorrentes assim o mostram, e também o espírito político da classe que governa. Do lado da Moldávia o consenso entre a população já não é tão acentuado. Por um lado, domina a identidade romena, europeia e democrática, a relação de fraternidade. Por outro lado, a nostalgia soviética e os 50 anos de lavagem de identidade puxam os moldavos para a russofilia.


Porém, as primeiras duas décadas do novo milénio parecem ter sido mais favoráveis à europeização da República da Moldávia. Desde logo, o Tribunal Constitucional de Chisinau decidiu, em dezembro de 2013, que o texto da Declaração da Independência prevalece sobre as previsões da Constituição de 1994. Encabeçada pelo Partido Ação e Solidariedade, a iniciativa de alterar a “língua moldava” pela “língua romena” , implementando a decisão do Tribunal Constitucional de 2013, foi votada em Março de 2023 no Parlamento, depois de uma sessão escandalosa e com vários empurrões. Os deputados do Bloco dos Comunistas e Socialistas bloquearam a tribuna central em sinal de protesto.

O presente governo tem uma posição muito clara quanto aos valores europeus a que a República Moldova aspira. Os passos dados pela Presidente Maia Sandu na busca pela integração europeia da Moldávia foram passos audazes, mas firmemente assentes no ideal de um futuro próspero para o país que preside.

Fotografia: Theodor Vasile, via Unsplash

A própria conflitualidade entre a Rússia e a Ucrânia no presente ajudou quanto à sensibilização do povo moldavo na escolha entre o bloco de influências ao qual se quer alinhar. E o alinhamento é forçosamente necessário, não haja dúvidas, apesar de muitos críticos reclamarem que a Constituição obriga a que a República Moldova seja neutral. A questão da Transnístria é também uma questão que acentua a necessidade de integração europeia. A Moldova encontra-se com um movimento separatista pró-russo na sua fronteira a leste com a Ucrânia, o que representa um perigo iminente à estabilidade territorial e política.

A língua romena representa, portanto, não só uma correção histórica, mas uma ferramenta política de união e de integração da Moldávia na esfera política europeia e ocidental. É a primeira demarcação dos restos do sovietismo que ainda pairam pelas antigas repúblicas socialistas.