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Nos primeiros dias de agosto presenciamos o maior evento que alguma vez Lisboa viu: a Jornada Mundial da Juventude. Nas margens do Tejo, no evento final, estavam mais de um milhão e meio de pessoas, num silêncio que marcou não só quem lá estava, mas também quem acompanhava pela televisão. Deixo aqui a minha experiência dessa semana, a minha quarta Jornada.

Lisboa 2023

Nos meses antes das JMJ foram várias as vezes que a Jornada foi parar aos meios de comunicação social e, na maioria das vezes, não foi pelos melhores motivos. Como sempre, na organização de um evento, ainda mais de um com esta dimensão, surgem intrigas e confusões, e quem se aproveita disso para ter posts de Instagram com mais visibilidade.

Importa, sim, fazer uma análise pós-evento do que foi verdadeiramente a Jornada em Lisboa, descrita pelo Papa Francisco como a mais bem organizada de sempre. Além de um terreno lindíssimo à beira do Tejo que, ao contrário de muitos augúrios, funcionou muito bem, foi a Jornada com melhor acesso à água potável. Importante salientar, foi especialmente inclusiva para pessoas com deficiências não só motoras, como audiovisuais. Não só tinham um setor no Parque Tejo adequado às suas necessidades, como intérpretes de língua gestual para os discursos e cânticos.

Também toda a organização dos eventos foi muito bem estruturada e pensada, incluindo bastantes elementos nacionais e mostrando a cultura portuguesa. Artistas como a Mariza, a Carminho e Tiago Bettencourt, a Cecília Rodrigues, um dos momentos mais bonitos da Vigília, marcaram a sua presença.

Os barcos que transportaram os símbolos da JMJ - a cruz e o ícone da Virgem - até ao Campo da Graça (Parque Tejo) eram barcos tradicionais portugueses e acompanhados por homens e mulheres com trajes tradicionais de pescadores. De salientar ainda o tapete de flores, tradição do norte de Portugal, que recebeu o Papa na Colina do Encontro (Parque Eduardo VII), realizado por 27 pessoas de Vila do Conde.

Durante 6 dias, a cidade encheu-se de peregrinos de todas as nacionalidades (exceto as Maldivas), também graças ao projeto das Igrejas Irmãs que proporcionou que 60 peregrinos de 24 nacionalidades diferentes, com dificuldades financeiras, participassem no encontro, financiados pela Diocese de Lisboa.

À margem dos Eventos Centrais, vários locais em Lisboa protagonizaram o Festival da Juventude, com concertos, teatros e palestras que reuniram milhares de jovens. Foi o caso do Estádio da Luz, do Terreiro do Paço, da Ala Magna, entre outros. Além disso, várias igrejas receberam encontros Rise Up durante 3 dias cujos temas eram: Ecologia Integral, Amizade Social e Misericórdia. À luz da Notícia do amor criador de Deus e do amor redentor de Jesus Cristo, os jovens puderam refletir nestes temas com a importância devida e adequando às suas próprias vidas.

Missa de Envio na JMJ (Lisboa, 2023). Photo: British Province of Carmelites, via Wikimedia Commons

Eu na JMJ 2023

A minha caminhada para a JMJ começou em 2021, quando o meu anterior pároco me convidou para ser a responsável pelo Comité Organizador Paroquial da minha paróquia. Esta seria a equipa responsável pela organização da Jornada na Paróquia, pelos peregrinos que acolhêssemos, pelos voluntários paroquiais que se disponibilizassem e pelos eventos que se realizariam.

No final de 2022, por motivos pessoais, tive de pedir ajuda e deixei de ser a responsável, continuando, no entanto, na equipa. No mesmo mês, chamaram-me para pertencer à Orquestra da Jornada Mundial da Juventude, que para mim era um sonho. Os ensaios começaram em Março deste ano e repetiram-se durante um ou mais fins de semana por mês. Além disso, consegui participar na passagem dos Símbolos, que correram Portugal, não na minha vigararia, mas na Vigararia da Amadora.

A duas semanas da Jornada, foi a minha vez de me ‘’Levantar e Partir apressadamente’’, o lema desta jornada à luz do exemplo de Nossa Senhora, sendo que nesse tempo apenas dormi uma noite em casa. Não só tinha os ensaios gerais no Campo da Graça e na Colina do Encontro, de todos os eventos, como era co-responsável por um espaço da paróquia onde acolhemos cerca de 100 peregrinos (oriundos de Moçambique e Madagáscar), sendo que, ao todo, acolhemos 800 na nossa paróquia, com poucos voluntários, mas um grande espírito de serviço. Para terminar, estive na equipa de organização de um Rise-Up da realidade da Igreja a que pertenço: Caminho Neocatecumenal.

Pode pensar-se que no meio de toda esta azáfama teria sido impossível viver a Jornada. Acredito, no entanto, que isso não seja verdade e que graças à Organização Local quase todos os voluntários poderão ter participado não só nos Eventos Centrais, mas também noutros que preenchiam a cidade. Eu tive a oportunidade de assistir à Via Sacra, evento em que não toquei violino, visitar a Cidade da Alegria (em Belém) e estar presente na nossa Universidade, no momento em que o Santo Padre a visitou e escutar as palavras que nos dirigiu. Para além disso, estar nos eventos centrais, tão próxima do Papa, e poder ver os recintos cheios de peregrinos, num mundo que muitos dizem ter perdido o sentido de Deus, marcou-me imenso.

A Jornada não me marcou apenas pelo que eu vivi ou tive oportunidade de fazer, mas, por todos, que me acompanharem. Os amigos que me acompanharam no dia a dia, que partilharam não só as histórias engraçadas com os peregrinos, mas o cansaço, as idas tardias ao aeroporto e os problemas que fomos enfrentando. Os meus pais e irmãos, mais pequenos, que estavam entusiasmadíssimos com todos os eventos e com o poder ver o Papa. O meu namorado que participava na sua primeira Jornada como voluntário e tantos outros e a minha irmã, Beatriz, que foi a bailarina principal da Vigília.

Não posso, portanto, quantificar como foi importante esta Jornada para mim e acredito que para tantos outros jovens. A minha experiência é certamente tão impactante como qualquer outro testemunho de qualquer outro peregrino. A verdade é que pude ter um encontro pessoal com Cristo, como muitos outros, e quando Ele diz ‘’Vem e Segue-me’’, é me impossível não ‘’Levantar-me e Partir Apressadamente’’, ao encontro d’Aquele que me salva.

Palavras do Santo Padre

Depois de partilhar a minha experiência pessoal, gostava de dedicar um pouco de tempo às palavras do Papa Francisco que para uns mostram que a Igreja está a mudar, para outros, sinal do que sempre foi.

Encontro com os jovens universitários

Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido.

Na Universidade Católica Portuguesa, a nossa, o Papa convidou os jovens a preocupar-se com os desafios do futuro, destacando a questão do ambiente e a importância da participação da mulher na sociedade. Convidou-nos a todos a enfrentar estes desafios, restituindo à sociedade aquilo que dela recebemos. Além disso, incitou-nos a termos sonhos, a substituirmos os medos por sonhos, não procurarmos respostas fáceis, mas arriscarmos em soluções novas, mesmo que difíceis.

Cerimónia de acolhimento

O Senhor chamou-vos, não só nestes dias, mas desde o início dos vossos dias. Chamou-nos a todos desde o início da vida. (…) Ele chamou-nos pelo próprio nome.

Destacando a universalidade da Igreja, o Santo Padre enfatizou também a importância da relação pessoal de Deus com cada um e do seu amor por cada um de nós, na nossa individualidade, nas nossas imperfeições. Voltando a repetir o “Todos”, com o eco de centenas de milhares de jovens, foca na chamada que Deus nos faz.

O Papa foca na individualidade de cada um, fazendo a anteposição a um mundo que parece muitas vezes tratar o ser humano como um número, como um consumidor, como apenas um rosto, uma carteira.

Via-Sacra com os jovens

Jesus quer preencher o nosso medo, o teu medo, o meu medo… esses medos obscuros quer preenchê-los com a sua consolação. Ele espera impelir-nos a abraçar o risco de amar.

A Via Sacra foi o momento em que jovens católicos e não católicos puderam manifestar as suas angústias e sofrimentos face ao presente. Os vários jovens de nacionalidades diferentes do Ensemble’23 representaram os nossos medos de hoje encarnados no caminho que Jesus Cristo fez até à cruz.

A Guerra, o desemprego, as alterações climáticas, as perseguições religiosas, políticas, a falta de proteção dos mais desfavorecidos e a crescente dependência do mundo digital foram alguns dos temas que tiveram no centro deste evento.

Respondendo à ansiedade dos jovens, o Papa que, na Universidade Católica, incitou a trocar o medo pelos sonhos, incita ao amor, a um amor que não é fácil, que não idolatra o outro, mas reconhece na fraqueza do outro a sua própria e que, por isso, inspira à cooperação, à paz e à fraternidade.

Vigília com os jovens

Pensai numa pessoa que caia na vida, tenha um fracasso, cometa erros mesmo graves, sérios: achais que a sua vida acabou? Não! O que é preciso fazer? Levantar-se! Como recordação, quero deixar-vos o caso dos alpinistas (…) eles têm uma canção linda, onde se diz: «Na arte de subir a montanha, o que conta não é não cair, mas não ficar caído».

O silêncio que cobriu 1 milhão e meio de pessoas à beira do Rio Tejo refletiu milhares de jovens que não só adoraram a Cristo, mas jovens de diversas religiões que se interrogavam sobre a sua vida, os seus problemas, defeitos e inquietações.

A todos nós, o Papa aconselhou a não termos uma posição conformista perante a vida. Incita-nos a levantar depois de cairmos, a espalhar a alegria por todo o lado, refletindo, no fundo, a mensagem de Jesus Cristo: ‘’Quem nunca pecou que atire a primeira pedra.’’.

Que possamos levar as mensagens do Papa para a nossa vida, sejamos nós católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, ateus, agnósticos… A mensagem desta Jornada foi para todos, independentemente do credo, ainda que inspirada nas palavras de Jesus Cristo. É isto que se espera de nós sempre que caímos: um recomeço.

Missa de Envio

Queridos jovens, gostaria de poder fixar nos olhos a cada um de vós e dizer: não tenhas medo! Mas anuncio-vos algo muito mais belo: o próprio Jesus agora olha para vós, (…). E Ele hoje diz-vos, aqui em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude: “Não temam! Não tenham medo! Animem-se!”.

A Jornada terminou com estas palavras do Papa que resumem tudo o que foi dito anteriormente. Assim, perante tudo a magnificência de tudo o que aconteceu, termino como São Tomás de Aquino “mihi videtur ut palea’’ (tudo o que escrevi não passa de uma palha para mim) porque nem mil palavras fariam justiça ao quão especial e profunda foi a Jornada Mundial da Juventude 2023 em Lisboa.

Vemo-nos em Roma ou em Seul!