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Costuma prestar-se pouca atenção a processos eleitorais fora do nosso país, mas há alturas em que se deve estar atento quando estes importam ao nosso interesse nacional. A Nigéria é o maior fornecedor de gás natural de Portugal e, portanto, os acontecimentos políticos em Lagos devem ter uma atenção especial da nossa parte. A Nigéria é a maior economia de África, uma democracia recentemente estabelecida em 1999, e tendo em conta que muitos outros países africanos têm tido problemas com as suas democracias ou que até sofreram golpes de estado, não fica margem para dúvidas de que esse regime está em perigo na região. Espera- se, assim, que a Nigéria seja um bastião democrático na África Ocidental, não sendo de descurar o facto de ser o país africano mais populoso com mais de 200 milhões de habitantes apesar de apenas haver entre 85 a 95 milhões de pessoas registadas para votar numa altura caracterizada por muitos problemas sociais e económicos.


Desde 1999 que a política nigeriana é dominada por 2 grandes partidos, mas pela primeira vez houve um 3o candidato possuidor de uma hipótese realista de ganhar. Esta eleição poderia ter à partida o condão de baixar os níveis de abstenção altíssimos no país. Muitos mais jovens votaram, algo que será significativo num país onde a idade mediana ronda os 18 anos. Isto, por si só, é bastante positivo, porque demonstra que os jovens sentiram que tinham de participar no processo eleitoral do seu país, onde houve também uma melhoria do serviço de reconhecimento eletrónico para registar todos os votantes.

Passo a apresentar os 3 candidatos a Presidente. O vencedor destas eleições, Bola Tinubuh, do partido All Progressive Congress (APC), antigo governador de Lagos (e com isso trazia bastante apoio à sua candidatura), um antigo vice- presidente, Atiku Aboubakar, o candidato do principal partido da oposição, o People ́s Democratic Party (PDP), e por fim, Peter Obi, um político pouco ortodoxo e fora do comum, apoiado pelo Labour Party (LP), um partido pequeno, desconhecido das massas até estas eleições, muito popular com os jovens . A performance eleitoral de Obi é de tal modo surpreendente que conseguiu ganhar o círculo eleitoral de Lagos ao seu antigo governador, Tinubuh.

O decorrer do processo eleitoral foi bastante violento em algumas localidades do país, com relatos de pessoas a queimarem locais de voto e alguma instabilidade principalmente no sul do país. Outras situações menos desejadas nesta eleição incluem urnas a serem roubadas a até boletins de voto que foram queimados, o que contribuiu para alegações de “foul play” e até sabotagem. Este cenário compagina-se com um país muito instável socialmente, que está mais pobre agora do que em 2015, ano das últimas eleições presidenciais, notando-se um aumento da inflação, de raptos e crimes a serem cometidos. A atual administração do país tem falhado em muitos aspetos.


Tinubuh recebeu cerca de 8,8 milhões de votos, cerca de 36,6% do total de Yakubu, o Eleitoral (INEC), derrotando o antigo vice-presidente Atiku Aboubakar do PDP, da oposição, e Peter Obi do menos conhecido mas mais popular entre os jovens LP. Há partidos da oposição que já afirmaram avançar com processos legais com processos legais depois destas controversas eleições: a porta-voz da campanha presidencial do Labour, Ndi Kato, afirmou num tom desafiador que as eleições foram fraudulentas.


O candidato a vice-presidente do Labour, Datti-Baba Ahmad, teria declarado a vitória, afirmando “Ganhámos esta eleição como Partido Trabalhista, vamos reivindicar o nosso mandato enquanto Partido Trabalhista”. Já no discurso de vitória de Tinubuh, este tentou adotar uma postura e discurso conciliatório apelando à oposição que se una e pedindo que trabalhem todos juntos para construir o futuro da Nigéria, agradecendo também aos seus eleitores pelo voto de confiança. Em Abuja, a capital do país, vários foram os apoiantes de Tinubuh que festejaram a vitória.

Tinubuh é assim o 5o presidente eleito da Nigéria desde 1999. Representa o mesmo partido do presidente cessante, Muhammadu Buhari, que o ex- governador de Lagos afirma ter apoiado e muito na sua corrida à presidência em 2015. Após muitos anos a assistir nos bastidores, Tinubuh lançou a sua campanha à presidência com o lema “It’s my turn”. Buhari já deu os parabéns ao seu sucessor, afirmando também que Tinubuh era “a melhor pessoa para o trabalho”.

Esta eleição foi uma das mais disputadas do regime democrático nigeriano desde 1999, com mais de 93 milhões de pessoas registradas para votar, de acordo com o INEC.

No entanto, a contagem de votos foi bastante contestada por muitos que alegam que o processo foi prejudicado por corrupção e falhas técnicas, os principais partidos da oposição do país descreveram os resultados da eleição como fortemente alterados e manipulados, afirmando também que perderam a confiança em Yakubu, o presidente do órgão eleitoral, e que os resultados não refletem os desejos dos nigerianos. Tal órgão eleitoral já rejeitou pedidos de uma nova votação, insistindo que o processo eleitoral foi justo, livre e confiável, algo que Tinubu já referiu no seu discurso de vitória, congratulando o INEC pelo seu trabalho na organização da eleição.

A votação já foi criticada por vários observadores, entre os quais a União Europeia. Uma missão de observação conjunta do Instituto Republicano Internacional (IRI) e do Instituto Democrático Nacional (IDI) comentou que a eleição ficou aquém das expectativas dos cidadãos do país. Yakubu já comentou tais alegações, dizendo que apenas 24 milhões de votos válidos foram contados, ou seja, uma participação de 26%, muito menor do que nas eleições de 2019, que contou com votos de cerca de um terço dos eleitores registrados.


Suspeita-se que a baixa participação esteja relacionada com a supressão de eleitores e até questões relacionadas com cartões de eleitor permanente não impressos, o que poderá ter impedido muita gente de votar. A falta de dinheiro da população nigeriana também poderá ter impossibilitado as pessoas de conseguirem deslocar-se aos seus estados para votar. Alguns problemas logísticos reportados pelo país fora incluem eleitores que não conseguiram identificar os seus locais de voto após mudanças de última hora. Houve também outras questões que prejudicam a confiança do público no processo eleitoral, como a violência e outros impedimentos técnicos.

Após estas falhas no processo, Remi Adekoya, analista político, afirmou o seguinte: “Parece que a maioria dos nigerianos simplesmente não acredita que o seu voto possa mudar algo fundamental no funcionamento da Nigéria (…). Infelizmente, a conduta caótica dessas eleições em muitos lugares não ajudará nessa situação. Muitos nigerianos são ainda menos propensos a acreditar no processo democrático agora, correndo o risco de o país se tornar uma democracia apenas no nome.” Uma organização cívica de seu nome Yiaga Africa enviou mais de 3800 observadores para locais de voto espalhados pelo país.

Segundo conta o seu presidente, Samson Itodo, num desses centros de votação um dos seus observadores acabou expulso após alguns indivíduos terem invadido o local.

As falhas democráticas estão à vista de todos e há motivos sérios de preocupação com este processo eleitoral. Muitos eleitores em Lagos afirmaram terem sido intimidados e alguns quase impedidos de votar, provocando conflitos em alguns centros de votação, e obrigando mesmo à pronta intervenção dos militares. Houve muitos outros casos em que as votações foram atrasadas ou as pessoas impedidas de votar por falta de comparência dos funcionários eleitorais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) apelou ao acalmar dos ânimos por todas as partes, ao fim da incitação à violência, e à prevenção, na medida do possível, da difusão de mais desinformação até à conclusão do processo eleitoral. O processo democrático na região tem de ser fortalecido, o papel da Nigéria será fundamental enquanto bastião da democracia na África Ocidental, cabendo-lhe ser um exemplo desse processo. Por enquanto, tem de haver um esforço para acabar de vez com estes problemas em dias de eleições, mas ao final do dia, com ou sem jogo sujo, Tinubuh está eleito. Resta saber se se levantarão mais problemas sérios quanto às eleições do dia 25 do mês passado.