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Apesar de hoje em dia este tema já não ser muito falado, existe um grande desafio no mundo político mundial, mas com particular detalhe no mundo europeu que é a solidez das Nações enquanto Estados unidos e soberanos.

Acontecimentos anteriores deixaram este tema um pouco “na gaveta”, ainda assim, não deixou de existir. Falemos dos independentismos e regionalismos na Europa. A 23 de novembro de 2022 a então Primeira-Ministra da Escócia anunciou a possibilidade de realização de um referendo para a independência da Escócia com vista a contornar os resultados do último referendo de 2016 no qual a população escocesa, categoricamente, recusou a ideia de a Escócia se tornar um país independente preferindo, portanto, permanecer no Reino Unido.


Apesar da ideia ter sido depois recusada pelo Supremo Tribunal Britânico, a verdade é que este tema voltou a acordar um monstro que muitos de nós julgávamos não voltar a ver tão cedo: os movimentos independentistas na Europa. Antes de avançar propriamente com o tema deste artigo, importa fazer a distinção de quatro conceitos que serão úteis para a sua leitura; mas a assunção dos mesmos num só é um erro que importa alertar.

Quando se fala dos temas de independentismos, importa que se saiba distinguir um regionalismo de um nacionalismo e um separatismo de uma autodeterminação. Um regionalismo é uma corrente política que defende a atribuição de prioridade de assuntos locais ou regionais aos assuntos nacionais. O nacionalismo, não obstante a feição autoritária que pode ser atribuída a este conceito, é a ideia de que se deve dar primazia aos interesses de uma nação. Ainda assim, a primazia de uma Nação não implica a primazia de um Estado.

Os conceitos de Nação e Estado são conceitos que apesar de próximos, são muito diferentes uma vez que o primeiro está ligado ao senso que une um povo em torno de uma identidade movida pela História, pela cultura e pela língua.

O segundo é uma Instituição nacional que assume variadas funções e que consiste na composição dos grupos de pessoas e instituições que formam um país.

Ainda assim, uma Nação não pressupõe a existência de um Estado nem um Estado pressupõe a existência de uma Nação. Portugal, por exemplo, é os dois, existe uma Nação e existe um Estado. O Curdistão é uma Nação, mas não existe nenhum Estado com esse nome, os membros dessa Nação estão distribuídos por vários países. A Checoslováquia, por outro lado, era um Estado existente, mas que não tinha nenhum senso de Nação; eram dois grupos sociais que uma Conferência decidiu unir; mas que não tinham muito em relação um com o outro e tinham duas Nações que coexistiam pacificamente mas não se fundiam numa só. Voltando às distinções, um separatismo é um movimento que defende que uma região deve-se separar de um país já existente e formar o seu próprio país. A autodeterminação consiste na ideia de que uma região deva ter mais poderes de autonomia para tomar decisões por iniciativa própria não sendo necessária atribuição de uma independência para a mesma.


São vários os casos de movimentos separatistas e regionalistas na Europa mas os mais conhecidos são os exemplos do Scottish National Party (SNP), na Bélgica com o Vlaams Belang ou a Nova Aliança Flamenca, e em Espanha que deve bater o recorde de país com mais movimentos ou partidos separatistas ou regionalistas como a “Esquerra” Republicana Catalã, o Juntx per Catalunha, ou Partido Nacionalista Basco, o Bloque Nacionalista Galego, o Eh Bildu (Basco), o Teruel Existe, o Fórum para as Astúrias, a Nova Canária. O cenário português é mais sortudo que os restantes países especialmente com a situação dos “nuestros hermanos”. Partidos políticos de índole regional e independentista são proibidos pele Constituição e pela Lei dos Partidos Políticos. Existem sim movimentos como a FLAMA, Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira, um grupo terrorista e separatista que operou pela independência da Madeira depois do 25 de abril até 1978. E o MAPA, Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoreano que depois se tornou num partido político, o Partido Democrático Atlântico que existiu até 2015.

Com o fim dos conflitos do verão quente, a adesão de Portugal à CEE e muitos outros fatores, os grupos independentistas acabaram por perder sentido e desaparecer um pouco da opinião pública, ficando apenas alguns resquícios pouco importantes. Ainda assim, importa salientar a existência da FAMA, Fórum Autonomia da Madeira, fundado em 1997 e extinto em 2015 e a FLA, Frente de Libertação dos Açores que ainda existe.

Mas a grande questão é muito simples, percebo a existência de partidos de interesse regional, mas porque é que grande parte dos partidos de índole regional acabam por, na maioria das vezes, ser independentistas? Honestamente não há nenhum mal na promoção de interesses regionais a nível parlamentar ou até mesmo governamental, desde que haja transparência. Não vejo também mal nenhum na existência de partidos regionais que intensifiquem a proximidade com eleitorados mais distantes. Também vejo inúmeras vantagens que são asseguradas quando todos os partidos, sejam eles de índole regional ou não, se unem para garantir o melhor para as suas regiões e, por consequência, para o país.


Mas a verdade é que há detalhes e pormenores que nenhum estudo conseguiu revelar, mas são muito evidentes quando investigamos a fundo. Regressei em janeiro de uma experiência de Erasmus na Bélgica, país que tem uma questão independentista muito forte na qual a região da Flandres, deseja ser independente e formar o seu próprio país. Antes de embarcar nesta experiência, eu sabia que a Bélgica estava dividida em 3 três regiões (soube mais tarde que afinal eram seis) e que existiam duas línguas predominantes. Era possível falar francês nas regiões de Bruxelas e da Valónia, em Bruxelas também se pode falar holandês. Já na Flandres ou se fala holandês ou, caso não se saiba falar esta língua, inglês, o francês é um não absoluto.

De facto, assisti a situações caricatas, onde pessoas iam a lojas, faziam perguntas em francês e os funcionários respondiam em holandês ou inglês. À medida que fui tendo raras oportunidades de falar com alunos belgas na minha universidade de acolhimento, fiquei a perceber cada vez mais que havia uma acentuação clara na ideia de que pessoas flamencas e pessoas de Bruxelas e da Valónia deviam estar separadas e não percebia porquê.

Com alguma investigação, foi possível desenhar um padrão das incidências independentistas nesses países e há quatro fatores a salientar. As regiões com altas tendências independentistas são, por norma, as regiões que mais contribuem para as economias nacionais; por exemplo, apesar da Catalunha ter apenas 1/3 do tamanho de Portugal, tem um PIB maior que o português. São também regiões com culturas bastantes diferentes. São regiões onde os governos regionais assumem uma ideologia muito diferente da ideologia do governo central ou federal; a Escócia, por exemplo, tem um governo de centro-esquerda, mas o Primeiro-Ministro Britânico e o Partido do Governo é de direita. Mas o elemento que de facto mais acentuava a divisão, especialmente na Bélgica, era algo que eu notava todos os dias quando me dirigia para a universidade, mas só mais tarde é que compreendi: a língua. Na Bélgica como já expliquei há uma diferença de línguas e até dei um exemplo da “rivalidade” que existe.Faltou explicar que a população flamenca compõe cerca de 60% da população belga, já 30% reside na Valónia. Destes 60%, a maior parte deles tiveram uma educação em holandês e francês.


Já na Valónia o número de escolas com um plano curricular que inclua aulas em holandês nem chega a 200, ou seja, são muito poucas as pessoas desta região que sabem falar holandês. Por sinal, a população flamenca recusa-se a falar em francês porque não é a língua materna deles. É natural que em grupos onde nem todos falem a mesma língua, as pessoas se unam na língua que sabem falar e acabem por partir um pouco o grupo.

O exemplo mais evidente disso que assisti foi no Parlamento Belga. Por “nerdices” minhas, decidi ir assistir a um debate parlamentar no Parlamento Belga e fui apanhado de surpresa por o que assisti. Uma das coisas que gosto de fazer é assistir a debates parlamentares de outros países, e um dos Parlamentos que assisto com mais admiração é o Parlamento Canadiano. À semelhança da Bélgica, o Canadá também tem duas línguas: o inglês e o francês pelo Quebeque. Para solucionar a questão das línguas, foram estabelecidos momentos onde todas as intervenções são numa dessas línguas.

Pensava que na Bélgica seria semelhante… Não é…. O debate faz-se na língua materna do Deputado ou do Ministro, seja a pergunta em francês ou não, a resposta não tinha de ser nessa língua. A verdade é que a língua é um elemento de unidade, e especialmente em funções onde grandes decisões são tomadas, maior é a importância de se estar no mesmo pé, de se ter a mesma forma de comunicação.

Fazendo a análise destes motivos, começo a perceber, ainda que não apoie, os motivos que levam algumas regiões a quererem a independência. Mas, para terminar, importa agora falar dos desafios para os separatismos, especialmente naquilo que pode incentivar, mas também daquilo que pode dissuadir. Vemos que a população independentista é cada vez mais jovem e vemos que as intenções independentistas surgem em momentos em que a tensão com os governos centrais é maior. Mas penso que a valorização cultural, dinamização dos sistemas de educação de línguas, entre outros aspetos, são importantes fatores de dissuasão; mas penso que as regiões só conseguirão ter independência quando conseguirem ter vantagens económicas, vantagens militares e diplomáticas. Infelizmente, nenhuma região consegue isso.