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É de minha profunda crença ser de análise consensual que o governo atravessa uma fase, no mínimo, complexa. Iniciou a legislatura com um fracasso de imagem promocional sofrendo pesados, e muitas vezes descabidos, ataques sensacionalistas por parte da comunicação social, ordinariamente bastante amistosa e digamos, coordenada, com o partido socialista. A isto somou-se a degradação de serviços públicos essenciais, como todos sabemos culpa partilhada de Marquês de Pombal, Fontes Pereira de Mello e , claro, do Dr. Passos Coelho, lançando à percepção pública a realidade de um Estado ineficiente e desesperado por reformas. Como se não bastasse, o fim do romance com a extrema-esquerda despoletou greves no SNS, na escola pública, nos transportes, nos agricultores, nas infraestruturas e aparentemente no próprio governo, que pelo menos a trabalhar não se encontra.


Para colmatar, dá-se uma crise inflacionista que atenta contra os pobres pelo custo crescente dos bens essenciais, contra a classe média pela subida das taxas de juro e para a qual, sua notabilidade, o Sr. Primeiro-Ministro não parece possuir grande solução. Com este quadro de insatisfação fica evidente as razões que levaram na última sondagem da intercampus a direita, ou melhor, a direita e a dita direita, a conseguirem maioria no parlamento português. Levantando naturalmente a dúvida, se se formaria governo a partir desta configuração e que hipotético futuro se pode vislumbrar a partir desta sondagem.

Se existiam dúvidas quanto à posição que os sociais-democratas teriam para com o partido à sua direita, a ida do Engo. Pinto Luz à V convenção do Chega oferece o esclarecimento que Luís Montenegro evita. Recordemo-nos que o Vice-Presidente de Cascais, numa entrevista ao Expresso, declarou “que o PSD só voltará a ser grande quando perder o medo do politicamente correcto”, chegando mesmo a indicar que “Sim, uma aliança com o Chega é possivel”. Todavia, embora a dissipação das linhas por alguns traçadas seja translúcida, que formulação teria essa aliança continua uma difícil incógnita. Por um lado, é pouco sensato julgar que o Chega alinharia em algum tipo de geringonça.

Se os ventos soprassem graciosamente, daria ao partido de Sá Carneiro o prestígio e a notoriedade, sem prestação de grande crédito ao partido fundado por Ventura, ao mesmo tempo que institucionalizava o Chega e o prevenia de fazer o seu discurso mais vocal e empolgado, seria uma cedência ilógica que poderia afastar tanto o eleitorado mais pragmático, de volta, para o PSD, como rebelar o eleitorado mais purista por conformismo com o sistema. Se soprasse mal, refutaria a ideia de “nova esperança” e perdia o oxigénio necessário para a continuação do seu crescimento e possivelmente remeteria o partido ao fado do CDS (resquiescat in pace), uma bengala dos sociais-democratas. Por outro lado, a formulação concreta de governo com a atribuição de ministérios, que parece ser o arranjo desejado pelo Dr. André Ventura, como a educação, a agricultora e/ou a defesa hostilizaria o eleitor de centro do PSD e mais relevantemente não estou certo que seria uma possibilidade contemplada pela actual direcção da IL, sem a qual não existiria maioria. A encruzilhada complexa do PSD ainda padece do mal de a não institucionalização do Chega, caso reformas por outros não sejam avançadas, irá perpetuar o seu crescimento até igualar o seu congênere hungaro ou italiano.


O jogo social-democrata, portanto, centra-se na capacidade de alinhar os interesses da IL com a direita e de o PSD apresentar-se capaz de realizar as reformas necessárias sem dar palco excessivo aos “cheganos”, escusado será dizer que tal situação é no mínimo fantasiosa.

No que diz respeito à Iniciativa Liberal, julgo que o último congresso foi instrumental para se compreender que lugar cobiça ocupar. Entre “guinchos” wokes dotados daquele provincianismo poucochinho que pretende irrefletidamente importar os usos do estrangeiro para Portugal, como veterinário que dá uso ao seu conhecimento sobre bezerros para operar humanos, ficou evidente que o triunfo de Rui Rocha sobre Carla Castro, cujo programa era uma recriação do CDS, quiçá numa ambiciosa tentativa de acompanhar o seu sucesso eleitoral, significou uma reafirmação do partido no espectro. Digo reafirmação, porque na práctica o que a eleição de Rocha transmite é uma Iniciativa ao centro, lugar aquando da primeira eleição de Cotrim Figueiredo desejavam se sentar. Isto traduz-se numa política de, ora entregar jogo à direita, ora entregar jogo à esquerda numa notória inspiração no Freien Demokraten e no funcionamento do parlamento alemão.

Este planejamento, claro, manteria sempre os “liberalecos” no funcionamento político, avançando doucement o seu projecto para a Nação. O problema que aqui se deparam é não serem suficientes para governar a sós, nemcomoPS,nemcomaequipadoB do mesmo, ficando reféns de um entendimento à direita caso pretendam governar, uma vez que, embora efectivamente, sejam a versão dos estudantes de gestão do bloco de esquerda, questões como: Quantos beijinhos? Qual o nome da cor do sangue? E crucialmente a diferença entre o bloco forçar a banca a prestar contas e a IL enviar o pagamento das cotas aos banqueiros serem plausivelmente inultrapassáveis (embora consiga imaginar em certo cenário um frente anti-chega) para uma geringonça conjunta (o PCP creio ser antítese, e como tal fora sequer do horizonte de entendimento). O imaginário ideal para estes, desconfio ser uma aliança com os socialistas ou sociais-democratas suplantada pelo Livre, e Pai perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem, com o apedeuta PAN.


Faço esta ressalva uma vez que dado que a sondagem actual é distante das próximas legislativas e que a degradação do PS pode forçar por exclusão, o voto no PSD, não me parece tão inverosímil a existência de algum tipo de arranjo ao centro. Reforço que qualquer fracasso de governo, seja porque adversidade for numa aliança central, é prestar um vasto tributo de votos ao Chega e embora possa ser acusado de dramatismo, colocar pregos inamovíveis no caixão dos “laranjinhas”.

Estabeleçamos agora que uma confederação governativa das direitas e da IL, é possível, que a ambos os jovens partidos são atribuídos ministérios e que estabelecem um plano de governo com chão comum, razoavelmente aceite por todos. Aqui o busílis encontra-se, como já mencionado anteriormente, em parte do eleitorado centrista que depositou a sua confiança em (embora duvide que até lá resista) Luís Montenegro, presumivelmente ficar ligeiramente insatisfeito com a coligação de governo num primeiro momento.

Isto, claro, deixaria o trunfo na mão do Chega (e dependendo das relações com o PS, dando margem à Iniciativa para forçar mais veementemente a aplicação do seu programa) de derrubar o governo por qualquer alegação factual ou política de ausência de virtude governativa, uma vez que saberia que possivelmente o PSD perderia o centro e deixaria de ser governo, no pior dos cenários podendo continuar a navegar na bipolaridade reforma/conservação do Estado com os sucessores de Mário Soares. Caso fosse ordeiro, penso ser mais certo que se estabeleceria uma dialética onde as ideias com maior carga radical dos nacionalistas, seriam moderadas pelos já há muito instalados em São Bento, sociais-democratas, permitindo mudanças graduais e ponderadas, com as devidas tormentas e ventos agrestes de tempo a tempo. Talvez indo demasiado longe para o gosto de uns ou demasiado devagar para o gosto de outros, mas prevenindo hipotéticos excessos por um lado e certas inércias por outro. A este funcionamento ainda se juntaria o horror ao excesso burocrático dos liberais que podia incidir numa desburocratização do Estado, simplificação e aglomeração das leis e no cessar da inquisição à prosperidade dos privados.


O leitor atento certamente notou que há dois parágrafos atrás apelidei esta junção de “fantasiosa”, e o reforço, não obstante de a reputar como valorativa para a Nação, pois para tal se suceder existiriam egos a ser colocados de parte, a IL teria de estar constrangida a apenas poder agir à direita, o PSD não ter solução viável (e a longo prazo suicidas) ao centro e a facção social- democrata defensora de entendimentos à direita teria de se manter no poder e ser de tamanha agilidade política para conseguir manter alinhados os interesses dos três partidos por um longo período de tempo (posso cair em erro, mas não me parece que exista espaço no decorrer dos tempos para a simultaneidade do Chega e do PSD). São uma soma de factores que ainda parte do pressuposto que o muito aguardado retorno do Dr. Passos Coelho não ocorre e claro, que a maioria se mantém na direita. Isto tudo compreensivelmente, são suposições, mas calculo que desta análise se possam compreender possibilidades, assim como desta sondagem tendências.

Da sondagem, retira-se a incapacidade de Luís Montenegro de captar votos, suspeito eu, pela aplicação do programa possível dos sociais-democratas pelos socialistas, esvaziando o partido das suas bandeiras tradicionais e pelo receio que uma alternativa muito destacada, nestes tempos incertos, pudesse despertar ímpetos em sua excelência, o Presidente, atirando o PSD quiçá a um não tão hipotético e desconfio inevitável reencontro com a troika. Na tentativa de evasão desse destino, de forma corteza, Montenegro vai convidando o governo a permanecer mais um aninho. Fruto dessa ausência de oposição, a IL e o Chega surgem como opções claras para uma população exausta de má gestão e desesperada por novas propostas. Estes são os dois grandes vitoriosos desta sondagem e se souberem respectivamente, não extremar e não se afastar dos problemas reais da população no caso liberal e continuar o limar e o apaziguamento dos excessos no caso dos reformistas, suspeito que continuarão em grande crescimento, sendo que a Iniciativa tem um tecto máximo pela sua natureza ideológica ao par que o Chega possui mais flexibilidade e atracção de descontentes.


No polo oposto, apesar dos resultados da sondagem eu temo que não tardará a presenciarmos o ressurgimento do Bloco das franjas descontentes do PS, apesar de pressagiar que a quantidade de greves organizadas pelo MAIS possa criar um cisma na nova esquerda, dificilmente evidenciado pelas sondagens, se a degradação prosseguir, que é o mais provável, e se a astúcia da divisão do eleitorado servir aos interesses de alguns.

Em suma, a tendência na óptica de alguém que julga que é na direita que se encontra o bom futuro de Portugal, aparentemente é animadora. Mas pela natureza facciosa e sobreposição de eleitorado pretendido, não estou certo, apesar de não desejar Ventura maneta, que um arranjo à direita tivesse no prazo de quatro anos a estabilidade necessária para formar governo ou pelo menos um que durasse o suficiente para apresentar as reformas manifestamente necessárias.

As variáveis são instáveis, os interesses próprios dos partidos parecem-me excessivamente conflituantes e receio que constantemente se tentassem canibalizar por mérito das acções, o que mais cedo do que tarde, se demonstraria inviável. Espero estar errado, mas a minha melhor aposta para um governo funcional à direita seria a 8 anos quando houver clareza de hegemonia no espectro ou o abraço socialista for incomumente apertado que requeira uma frente comum ou ainda pela inércia exaustiva de um centrão que leve o actual sistema aos seus limites. Ainda não é tempo de tirar conclusões, mas reais soluções no presente receio que sejam praticamente nulas.