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A Argentina sofreu várias ditaduras ao longo da sua história. No entanto, nenhuma foi tão sangrenta como a que governou o país entre 1976 e 1983.

A 24 de Março de 1976, as forças armadas tomaram o poder através de um golpe de Estado e elegeram o general Jorge Videla como seu presidente. Depuseram assim o governo constitucional de Maria Estela Martínez Perón que tinha assumido o cargo de Presidente da Argentina após a morte de Juan Domingo Perón, seu marido, em 1974. Também conhecida como “Estelita Peron”, foi a primeira Presidente mulher da Argentina, cujo mandato durou apenas dois anos, ficando marcado por uma instabilidade profunda.


O regime militar que se instaurou deu início ao autodenominado “Processo de Organização Nacional” que durou mais de sete anos e provocou entre 9.000 e 30.000 desaparecidos. O número de desaparecidos é, até hoje, alvo de controvérsias discussões no país, dado que as diferentes autoridades não chegaram a um acordo sobre o número de vítimas da repressão, apesar de as organizações não governamentais confirmarem que o número se situa nos 30.000.

A ditadura que assombrou o país durante sete anos não fugiu à regra das ditaduras que assombraram a América Latina nestas décadas. Estes regimes ditatoriais e repressivos, alinhados com o Plano Condor e sob supervisão dos Estados Unidos, tinham como objetivo a eliminação da ameaça comunista no continente americano. Esta era uma repressão sistematizada contra civis, em que os militares estavam encarregues de levá-los para centros de detenção clandestinos, torturando-os, matando- os e fazendo-os desaparecer. Falamos de um terrorismo de estado que assentava na premissa de que sem corpos não havia crime, e como tal, a forma mais segura eram os desaparecimentos nos chamados “vuelos de la muerte” (voos da morte).

As mães de todos os filhos que nunca voltaram para casa criaram um movimento que chamou à atenção da comunidade internacional, ao saírem às ruas todas as quintas-feiras a partir de abril de 1977. A primeira manifestação foi feita na “Plaza de Mayo” à frente da Casa Rosada (sede do poder executivo no país), onde catorze mulheres com um lenço branco e com a foto dos seus filhos desaparecidos mostravam a sua indignação e exigiam saber a verdade sobre o seu paradeiro. As mães e avós das vítimas começaram a encontrar-se na praça todas as quintas-feiras sempre com o seu lenço branco na cabeça, com o nome do filho ou do neto desaparecido e a data do desaparecimento.


As “loucas”, como eram apelidadas pelos militares em 1981, ainda durante o regime, organizaram a primeira Marcha pela Resistência que consistia em marchar 24 horas seguidas na Praça de Maio com a sua bandeira de luta “Aparición con vida” (Aparecimento com vida) para exigir justiça por aqueles a quem lhes tinha sido negada.

Assim, esta associação, apesar da perseguição que sofreu por parte do regime que sequestrou e assassinou três das mulheres fundadoras, transformou- se numa das organizações sociais mais importantes a nível internacional, dado o seu contributo para com os direitos humanos e para a construção da memória.

As avós da Praça de Maio que procuravam os seus netos, filhos dos seus filhos desaparecidos, deparam-se com o problema de identificar os mesmos e pediram à comunidade científica internacional que as ajudasse. Apesar dos exames de parentesco já existirem nos anos 70, neste caso, os pais estavam desaparecidos. Uma universidade nos Estados Unidos conseguiu determinar o “índice de abuelidad” que lhes deu uma resposta genética através do qual o ADN conseguiria confirmar a filiação. Com este método, conseguia-se negar, através de análises genéticas, a parentalidade com os pais a quem tinham sido vendidos ou dados e descobrir a sua verdadeira identidade. A luta pela identidade continua ativa apesar de existirem apenas 12 avós da Praça de Maio vivas em todo o país e por questões de saúde apenas quatro se encontram ativas.

Hoje, com 132 casos resolvidos, com 132 pessoas que recuperaram a sua identidade, com 132 famílias que viram as suas procuras chegar ao fim, a preocupação das avós é manter a chama da luta viva e continuar a procurar os 300 netos que se estima que ainda faltam. São os netos encontrados que seguindo a famosa frase “La única lucha que se pierde es la que se abandona” continuam à procura dos seus irmãos, e continuarão a lutar pela verdade, pela justiça e pelo direito à identidade.