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Ano após ano, os vencedores dos Oscars tendem a agradecer a uma pessoa em específico: a sua mãe. Este ano não foi exceção… Aliás, parece-nos que, desta vez, o agradecimento à mãe foi ainda mais notório e culminou em algo mais engraçado: o grande vencedor da noite foi um filme que explora, entre outras coisas, a relação complexa e multiversal de uma mãe e de uma filha. Everything, Everywhere, All At Once arrecadou sete das onze estatuetas para as quais estava nomeado, tendo-se destacado nas categorias de acting com as vitórias de Michelle Yeoh, Ke Huy Quan e Jamie Lee Curtis.


Subtilmente, estas vitórias responderam a dois dos nossos desejos, partilhados no texto que escrevemos o ano passado acerca da 94a cerimónia dos Academy Awards: galardoar underdogs da indústria, destacando-os numa cerimónia que, muitas vezes, peca pela falta de representatividade e inclusividade e que se refugia nos mesmos nomes de sempre. Veja-se que, nesta edição, alguns dos nomeados são considerados o futuro de Hollywood: Paul Mescal, Stephanie Hsu, Austin Butler, Ana de Armas, entre outros.

Enquanto víamos os filmes nomeados, percebemos que outro dos nossos desejos estava a ser concretizado. Os argumentos — originais e adaptados — melhoraram substancialmente em comparação ao ano passado. Este ano, os filmes foram mais interessantes, cativantes e emocionantes, deixando quem os viu, por um lado, a refletir acerca do papel da família, da capacidade da mulher ou do sentido da vida e, por outro, na ponta da sua cadeira. Todos os nomeados apresentavam uma qualidade ímpar ao ponto de qualquer um dos dez (cinco por categoria) ser merecedor de levar o Oscar para casa.

Ainda assim, e ao contrário da categoria de Melhor Argumento Original — vencida por Everything, Everywhere, All At Once — a vitória de Women Talking, na categoria de Melhor Argumento Adaptado, foi uma surpresa, uma vez que competia com um dos tubarões desta edição e, na nossa opinião, o segundo maior vencedor da noite, o filme alemão da Netflix All Quiet On The Western Front (vencedor na categoria de Melhor Filme Internacional). Não obstante, o vencedor era o nosso favorito devido à simplicidade com que Sarah Polley conseguiu abordar uma história que, na realidade, é extremamente obscura e perturbadora. Mais, representa a coragem feminina que protege os seus filhos acima de tudo, ao mesmo tempo que mostra a forma única como as mulheres, mesmo em circunstâncias de analfabetismo, tentam resolver conflitos: escutam-se umas às outras e partilham umas com as outras.


Continuando na onda das surpresas da noite, destacamos mais duas. Primeiro, a vitória de Jamie Lee Curtis com o seu papel em Everything, Everywhere, All At Once. Uma das categorias mais fortes desta edição, senão mesmo a mais forte, foi a categoria de Melhor Atriz Secundária. As performances de todas as nomeadas foram intensas, emocionantes e memoráveis, tendo o favoritismo recaído sobre Angela Bassett pela sua prestação arrebatadora em Black Panther: Wakanda Forever ou sobre a atriz revelação Stephanie Hsu em Everything, Everywhere, All At Once. Nunca nos pareceu que Jamie Lee Curtis fosse a principal na corrida para a vitória deste prémio, até aos Screen Actors Guild Awards, onde também venceu a categoria homónima, contudo, não nos entristeceu pois conseguiu consolidar as suas habilidades como atriz fora do género a que foi associada durante a maior parte da sua carreira.


Segundo, a derrota da música original Lift Me Up do filme Black Panther: Wakanda Forever. Embora a música vencedora Naatu Naatu do filme Rrr seja eletrificante e fora da norma ocidental e da Academia, Lift Me Up, a nossa preferida, parece-nos ter um significado mais profundo e pessoal por ser uma homenagem a Chadwick Boseman, o primeiro Black Panther que faleceu em agosto de 2020, cheia de simbolismo e emoção… Para além disso, é cantada por Rihanna…

Arriscamo-nos a dizer que o conjunto dos nomeados desta edição para a categoria de Melhor Ator Principal foi um dos mais fortes dos últimos anos. Porém, as performances de Brendan Fraser em The Whale e Austin Butler em Elvis tornaram a corrida a este Oscar um autêntico duelo. Para além das suas entregas emotivas aos papéis, ambos os atores tiveram de proceder a alterações físicas que os tornaram de forma mais ou menos direta seres completamente diferentes: um tornou-se um homem vítima da depressão e da obesidade mórbida e o outro tornou-se uma fotocópia de um dos maiores ícones da cultura popular dos EUA e da música ocidental.

Apesar da capacidade transformativa de Butler, era inegável que a estatueta tinha de ser entregue a Fraser. Em parte à semelhança do que aconteceu com Jamie Lee Curtis, esta performance mostrou a todos que, muitas vezes, os atores são associados a um tipo de papel, passando a ideia que nem capacidades têm para fazer mais que isso, quando, na verdade, necessitam apenas de circunstâncias favoráveis ao seu desenvolvimento criativo. Ademais, quer gostemos ou não, a Academia nunca menospreza uma história de superação pessoal e o que aconteceu a Brendan Fraser foi exatamente isso: depois de alguns filmes de sucesso nos anos 1990 e no início da década 2000, desapareceu dos ecrã, regressando, agora, com este filme que, certamente, marcará a sua carreira e todos aqueles que o virem.


Como se pode ver pelo início deste texto mas também pela quantidade de vezes que referimos o seu nome, Everything, Everywhere, All At Once foi o grande vencedor do maior prémio da noite: Melhor Filme. Tal como em outras categorias, esta estava repleta de grandes filmes, algo que nos últimos anos nem sempre tem acontecido, porém, ao contrário de outras, o vencedor desta era evidente. O filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert é uma inovadora abordagem à ficção-científica que explora questões niilistas e o multiverse através de personagens normais, ou seja, através de membros de uma família — imperfeita e complexa — imigrante chinesa nos EUA. No final, a mensagem de superação e de recusa à desistência, exemplificada no emblemático discurso de Evelyn Quan Wang (personagem de Michelle Yeoh) à sua filha Joy Wang (Stephanie Hsu), transparece após cenas ridículas, hilariantes e emotivas, cheias de lições e intenções.


Na realidade, essa temática pautou toda a 95a cerimónia dos Academy Awards, onde muitos dos vencedores viram e anunciaram ao mundo que o seu sonho estava a ser concretizado. Para nós, um dos discursos mais emocionantes da noite e que refletiu precisamente isso foi o de Ke Huy Quan (vencedor na categoria de Melhor Ator Secundário), um ator que, após anos a lutar contra adversidades na carreira e na vida pessoal, nunca desistiu, tendo agora obtido a oportunidade que lhe faltava. Cremos, assim, que uma das principais lições a retirar da cerimónia é “dar oportunidades” pois, sem elas, não nos permitimos ser surpreendidos.

Por fim, só queremos dizer uma coisa: obrigado às nossas mães!