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O Chile é um país montanhoso na América Latina, mais conhecido pelo seu formato longo e estreito e pela sua desigualdade astronómica, apesar de muita gente não saber que este foi um país de extrema importância nos anos 70 e extremamente marcante para o rumo da história, quer da direita neo-liberal, quer do socialismo, não só na América Latina, mas também no mundo, sobretudo devido a Allende e Pinochet, duas personalidades que deixaram um legado que ainda se reflete no Chile e no resto do mundo, quer pela positiva, quer pela negativa, quer pelo que ocorreu no Chile entre 1970 e 1973.

Allende foi um médico chileno e também político socialista que em 1970 iria alcançar o que muitos consideravam ser impossível: um marxista ganhar eleições numa democracia liberal, mesmo na parte mais bem controlada do império dos Estados Unidos da América. Porém o seu percurso de fácil e curto não teve nada.


Ele já era um veterano na política do Chile, tendo sido um membro fundador do Partido Socialista do Chile (que mais tarde abandonaria) e já tendo ocupado o cargo de senador durante 25 anos. Em 1952 concorreu pela primeira vez às eleições presidenciais, tendo perdido, e apenas em 1970 acabaria por ganhar com 36.2% dos votos ao concorrer em nome da coligação partidária de esquerda “Unidade Popular”.

Ao falar de eleições no Chile, é imperativo mencionar a intervenção dos EUA. O governo norte-americano temia o comunismo, especialmente na “sua” América Latina, onde tinha os seus interesses estratégicos e os das suas corporações, que pilhavam os povos americanos menos desenvolvidos em nome do capital e que, por sua vez, financiavam os políticos norte- americanos. Os interesses das corporações eram, assim, os interesses dos políticos norte-americanos. Dito isto, os EUA já interferiam nas eleições chilenas desde 1964 (apenas nesse ano gastaram 2.5 milhões de dólares em financiamento) para impedir a eleição de Allende. Porém, em 1970, já não bastava o financiamento da oposição democrática, tendo os EUA gasto mais 8 milhões entre 1970-1973 em outros tipos de financiamento.

Enfim, 1970 e Allende ganhou a eleição. Dois dias depois já a oposição pedia às Forças Armadas Chilenas (ao segundo no comando Carlos Prats) a intervenção militar. Contudo, o Comandante-em- Chefe das Forças Armadas chilenas, René Schneider (informado do encontro por Prats) era um constitucionalista e pensava que as Forças Armadas não deveriam interferir no processo democrático. Este viria a ser assassinado por oficiais financiados pelos EUA, sendo substituído por Prats, que aderiu à mesma doutrina que Schneider.

A oposição ainda dificultou mais a vida a Allende, porque no Chile, depois das eleições presidenciais, o congresso votava o presidente dos candidatos. Isto era mais uma formalidade, mas ainda assim, o congresso quebrando convenção avisou Allende que só votaria nele se jurasse não quebrar a constituição. Allende aceitou, tornando- se, assim, finalmente presidente. Allende tinha como objetivos dar continuidade à expansão das reformas tomadas pelo anterior presidente, Eduardo Frei.


Desta forma, Allende realizou nacionalizações a larga escala para manter o capital proveniente delas no Chile, sendo a mais importante a das minas de cobre (que ele acelerou), que nunca foram privatizadas e continuam a ser de extrema importância para a economia do Chile até hoje; uma reforma agrária; uma distribuição massiva de rendimento e o aumento de salários. Todas estas medidas com o objectivo de aumentar o poder de compra da população, que consequentemente aumentaria o consumo.

Porém, apesar de tudo isto, o que distinguiu a governança de Allende foi algo nunca antes visto e que, ainda hoje, é verdadeiramente fascinante: o projeto Cybersyn (ou Synco).

O projeto Cybersyn foi implementado em 1971, criado principalmente por Stafford Beer. Este projeto consistia em ligar todo o país e todas as indústrias por uma rede de comunicação, usando teletipos, sendo assim possível receber e processar feedback e informação constante de todas as fábricas e mandar indicações se necessário.

Era constituído por 5 componentes: Cybernet, a rede de teletipos que levava a informação de qualquer fábrica ao governo em Santiago; Cyberstride, que monitorizava indicadores de produção quase em tempo real; Checo, um simulador económico; Sala de operações e Cyberfolk, que visava acompanhar a felicidade da população e trabalhadores às decisões tomadas pelo governo. O projeto Cyberfolk nunca foi posto em prática.

O projeto teve o seu momento de grandeza em 1972, quando uma greve de patrões camionistas, apoiada pelos EUA, deixou 40,000 camionistas em greve a bloquear o acesso a Santiago. Graças ao projecto, foi possível identificar e organizar 200 camiões que não aderiram à greve e coordená-los de forma a levar materiais e mantimentos à capital.

Quais foram os resultados de todas estas reformas? Bem, em 1971 os resultados das reformas de Allende foram extremamente positivos, apesar da constante sabotagem interna e externa que o governo socialista sofreu, pois tal como o embaixador americano no Chile, Edward M Korry, disse em 1970: “Not a nut or a bolt will be allowed to reach Chile under Allende … We shall do all within our power to condemn Chile and the Chileans to utmost deprivation and poverty”.


O PIB aumentou 9.4%, o consumo 11.6%, a produção 13.7% e salários reais uns astronómicos 30%, levando a grandes melhorias nas condições de vida dos chilenos. Além disso, a inflação baixou para 22% e o desemprego decresceu para 3.8%, apesar do aumento do défice e das despesas públicas. Tudo isto mesmo depois de ter perdido a maioria da “ajuda” americana que os governos anteriores desfrutaram, do bloqueio americano invisível e de não ter ajuda financeira da URSS.

Nos dois anos seguintes, porém, foi um fracasso, tendo a inflação aumentado, salários diminuído e condições de vida piorado. Existem especialistas que culpam as políticas macroeconómicas do governo da UP (Unidade Popular) de distribuição e outros que afirmam que a sabotagem económica foi um grande fator para o colapso económico, bem como a dependência da economia chilena no cobre, tendo o preço baixado, e a crise do petróleo de 1973.

Apesar da crise económica, social e política, nas eleições de 1973 a Unidade Popular ganhou 43% dos votos. Estes resultados eleitorais não serviram de muito à UP, nem a Allende, porque em junho do mesmo mês haveria uma tentativa de golpe de Estado, “El Tanquetazo”, que falhou. Em Agosto, o Congresso pediria ao exército que derrubasse Allende.

Em 1973, no dia 11 de Setembro, houve outro golpe liderado por Augusto Pinochet, destruindo, desta forma, a democracia chilena. Pinochet viria a liberalizar a economia e pô-la de novo ao serviço dos grandes grupos económicos, tornando-se a plataforma para a expansão do neoliberalismo nos anos 80.

Pinochet e Allende deixaram um grande legado, porém muito diferente um do outro. Allende deixou claro que marxistas conseguem ganhar eleições, mesmo em circunstâncias injustas, sem mergulhar numa ditadura, tendo-se mantendo sempre fiel à constituição e à democracia, mesmo que isso lhe tenha custado a vida e a morte do seu sonho: um Chile socialista. Contudo, a queda da via chilena para o socialismo também deixou a dúvida de se o socialismo pode ser, ou não, atingido numa democracia. Fidel, após a sua visita ao Chile, ficou convencido que não.

Pinochet deixou um legado de morte, prisioneiros políticos, extrema desigualdade, pobreza e o legado de uma economia catastrófica, tendo grande parte dos problemas do Chile de hoje em dia tido origem nos anos da ditadura de Pinochet, tal como a expansão do modelo neo-liberal para todo o mundo.