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De Bruxelas a Londres distam 320 quilómetros; a 1 de janeiro de 2020, no entanto, a distância acentuou-se na sequência de uma decisão muito pouco consensual: o Brexit. Passados três anos, somam-se várias razões para o arrependimento e são poucos aqueles que mantêm a convicção de que a decisão tomada terá sido a mais acertada. O Reino Unido aderiu ao projeto europeu em 1973. Se não tivesse ocorrido a saída da UE, se não fosse esta uma realidade, celebrar-se-ia no presente ano o seu 50o aniversário. Há três anos, por várias razões, a permanência na órbita europeia tornou-se insustentável e a Europa dos 28 viu sair um dos seus grandes.

Os brexiteers recorreram a um vasto conjunto de ideias como argumentos para a saída do Reino Unido.


Uma maior autonomia face a Bruxelas que, se traduzida na capacidade de implementar políticas mais liberais, é um argumento plausível (contrariamente a outros invocados).

A possibilidade de estabelecer acordos de comércio com outros países, nomeadamente os da Commonwealth, e a aproximação aos Estados Unidos é um argumento que explica a incompatibilidade com o projeto europeu, que nas últimas décadas tem rumado para outra direção. Este segundo argumento é dificilmente atendível uma vez que se tem provado exatamente o contrário: do ponto de vista político, foi possível observar pelos últimos anos que as políticas implementadas contribuíram fortemente para a diminuição da credibilidade britânica no exterior e a consequentemente incapacidade de cooperar com os países que almejava nos mais diversos sectores.

A Grã-Bretanha é a terceira maior potência militar e a quinta maior economia global, porém engane-se quem acha que a União Europeia foi a única a perder com a saída de um membro.

Enquanto membro, a presença na União Europeia permitia a ocupação de uma posição privilegiada na medida em que possuía em Bruxelas porta-vozes dos interesses nacionais, o que se perdeu depois da saída.

As relações estão hoje enquadradas num xadrez geopolítico diametralmente diferente e uma vez fora do projeto europeu não se pode esperar que se possa continuar a viver como se dele fizéssemos parte, podendo escolher as áreas em que a cooperação é profícua e aquelas em que desejamos estrategicamente possuir autonomia. Esta talvez tenha sido a perceção com que muitos ficaram e que justifica a sua decisão inconsciente e imponderada.

As linhas definidoras do modelo de cooperação anglo-europeu sempre foi um motivo de tensão entre as partes. O debate sobre a parceria anglo-europeia não se pode esgotar no campo económico mas deve estender-se a questões mais transversais ao velho continente tais como a imigração ou as ameaças à segurança interna.

Se há 3 três anos abundavam certezas, hoje estou convicta de que a dúvida e o arrependimento reside nas almas dos brexiteers.


Uma em cada cinco pessoas favoráveis ao Brexit revela hoje estar arrependido, 57 % é favorável a uma hipotética permanência na União Europeia e 1 em cada 2 britânicos reconhece que o Brexit enfraqueceu a economia do país.

A indignação vem com três anos de atraso bem como a ponderação face a uma ação cujas consequências são irreversíveis.

Há que ser franco e não esconder as variáveis por constituírem um contraponto à tese que defendemos. A pandemia, a guerra no continente europeu e a inflação que no país já ultrapassa os dois dígitos afetaram o curso económico dos países europeus, e o Reino Unido não foi exceção. Porém, a resposta dada às situações previamente mencionadas foi muito diferente e revelaram a dificuldade do país em lidar com os desafios que o imprevisível século XXI trouxe.

Gigantes como a Alemanha e o Reino Unido há muito que são referências europeias no campo económico. A inflação galopante afeta transversalmente as economias dos países. Ainda assim, neste último, uma recessão à espreita trará certamente milhares de pessoas às ruas de cidades britânicas.

Em nome da prosperidade, uma decisão que pecou pela irresponsabilidade e imponderação conduziu uma nação numa espiral caótica que ninguém parece conseguir controlar.

Há menos de um ano Boris Johnson demitia-se após ver a sua credibilidade política reduzida na sequência das suas mil e uma aventuras em período pandémico. Liz Truss sucede-lhe mas nem teve tempo de conhecer os cantos à casa. Ainda o mês de outubro não tinha terminado e já renunciava ao cargo de Primeira Ministra. Poucos dias depois, o número 10 de Downing Street conhecia um novo morador: Rishi Sunak. O passado recente do Reino Unido reúne as características necessárias para constituir um enredo de um filme dramático com sala esgotada. No entanto, se nos filmes tudo isto é visto com grande euforia, poucos são os entusiasmados perante este cenário quando transposto para o plano da realidade. O mais dramático são as cenas dos próximos capítulos que, de acordo com os dados económicos, parecem não augurar melhorias.

O problema de maior gravidade é o crescimento económico, ou melhor dizendo, a falta dele. De acordo com os dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), é esperado um crescimento que não ultrapasse os míseros 0,3%. O “Ás” das Finanças chefia um país que enfrenta uma contração de 0,6%. Os números são claros e não deixam margem para dúvidas: o Reino Unido é o país do G20 que possui pior desempenho económico.


Com as eleições à espreita e um governo enquadrado numa conjuntura difícil, a entrada numa nova fase da vida política conduz agora a conclusões inevitáveis, sendo que uma vitória nas próximas eleições é um cenário cada vez mais distante. Numa altura em que a popularidade do Governo está pelas ruas da amargura, os trabalhistas somam vitórias em círculos eleitorais que há meia dúzia de anos eram vencidos de longe por conservadores.

Não é necessário estar sentado na bancada da oposição para reconhecer os erros cometidos e que as ações não foram devidamente ponderadas, mas muitos são aqueles que não reconhecem, nomeadamente os que há meia dúzia de anos aclamavam o Brexit como se fosse a chave do cofre que são os problemas nacionais do Reino Unido.

Volvidos três anos, ei-los a tentar colocar um cortina de desresponsabilização e impunidade face a um tema cuja identificação dos culpados e inocentes é inequívoca para qualquer observador atento.

Boris Johnson com a sua irreverência – em parte consequência do seu corte de cabelo e o seu inquestionável carisma tão apreciado pelo eleitor britânico - conseguiu obter nas urnas a mais ampla maioria britânica desde a vitória de Margaret Thatcher em 1979. Talvez se tenha esquecido que com uma clara maioria no Parlamento, tem é de haver uma acrescida responsabilidade.

Segundo Boris, esta seria “a massive opportunity for the country”; já Liz Truss, que traçou uma trajetória de remainer a brexiteer, alinhava com a posição daquele que viria a suceder: “After Brexit we will be free to determine our economic future, with control over our money, laws and borders”. Se era uma esplêndida oportunidade, foi desperdiçada; se não o era, então os Tories devem meia dúzia de anos de verdade e promessas aos britânicos. Tendo a estar mais alinhada com a segunda posição.

O projeto europeu surge como algo ousado que rompe com o status quo do século XX em que uma guerra se seguia a outra, porém possui fragilidades. Estas são colmatadas pela sua flexibilidade, que confere a capacidade de adaptação às crises de diferentes naturezas. Fora da União Europeia, o Reino Unido debate-se com problemas que não teria se ainda fizesse parte.


A supranacionalidade do projeto pressupõe a transferência de poderes soberanos para a esfera europeia, o que implica inevitavelmente a perda de controlo e capacidade de escrutínio de decisões tomadas nos escritórios de Bruxelas. A origem do descontentamento britânico face à burocracia de Bruxelas e perda de “poderes soberanos” é remota.

Necessidade latente de se autonomizar face à política fiscal e disciplina orçamental, que se revela pouco flexível para caminhos alternativos tornou o afastamento inevitável.

1,9 % foi o suficiente para que os 50% se transformassem maioritários e para que uma decisão de tamanha importância fosse tomada. Michel Barnier, negociador da União Europeia para o Brexit, autor de “My Secret Brexit Diary”, cuja leitura vivamente recomendo, definiu o Brexit como o “dia tão desejado por uns e tão temido por outros”. Soubessem o que sabem hoje estou certa de que seriam mais os que o temiam do que o ansiavam.

A promessa de prosperidade e de um futuro risonho esfumou-se a 1 de janeiro de 2020 e hoje poucos são os argumentos que sustentam o contrário.

O tempo é o melhor conselheiro e não tardou a dar a entender aos eufóricos Brexiteers que um pouco mais de moderação e sensatez teriam alterado o fatídico destino a que conduziriam a sua histórica nação. Três anos depois o Bre (xcitement) deu lugar a um Bre (gret).

A sabedoria popular tem sempre uma palavra a dizer em momentos em que as palavras nos faltam: o ditado popular ‘a união faz a força’ parece adequar-se bem à situação do nosso mais antigo aliado - o Reino Des (unido) clamou aos sete ventos que sem a burocracia de Bruxelas seria ambos: tanto forte como unido. É evidente aos olhos de todos que a decisão pecou pela falta de bom senso e o preço a pagar por isso é elevadíssimo.

Com a maior das sinceridades questiono: E agora, que dizeis vós, Brexiteers?