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Parece-me lógico ao iniciar este ensaio que é importante procurarmos uma definição para o conceito da palavra verdade. Se formos simplesmente ao dicionário são nos apresentadas algumas definições interessantes:

  1. “Conformidade da ideia com o objeto”;
  2. “Manifestação ou expressão do que se pensa ou do que se sente”;
  3. “Axioma”;
  4. “(Belas-Artes) Expressão fiel da Natureza”.

A primeira definição implica uma perspetiva científica subjacente ao alcance da verdade: provar que a hipótese/ideia é fiel ao objeto/realidade diretamente observável. Isto pode dar origem à definição número três sobre axiomas - princípios primeiros que se consideram universalmente verdadeiros e através dos quais aplicando o método científico e a razão se compreende uniformemente toda a realidade circundante. O mesmo se encontra no racionalismo moderno e por isso nas ideologias e suas variantes como o marxismo e o liberalismo. O segundo ponto subentende a verdade como algo produto da consciência humana e de escolhas morais, até mesmo uma certa virtude ou bússola moral que deve conduzir as nossas ações em ordem de agirmos de acordo com o bem (= verdade). Por último, a verdade na arte não é tão relevante para esta discussão em particular, mas de uma forma simples as diferentes correntes na pintura (por exemplo) têm visões diferentes do que é a realidade física (natureza) ou não que pintam.

Seguindo esta lógica e pegando na primeira resposta conceptual, podemos argumentar de que há diferentes verdades ou formas artísticas de chegar a elas.

Contudo, se nós nos questionarmos o que éobeloeseobelo(sejaqualfora corrente artística) implica necessariamente o que é o bom ou justo, então teremos uma resposta completamente diferente de ver a verdade através da arte, não só como uma simples representação do mundo.

Faz sentido, de facto, afirmar que existem várias verdades e todas aquelas definições estão certas? Ou existe só uma verdade e como a podemos conceber? Todos os entendimentos acima descritos estão corretos? Será o meu propósito ao expressar a minha opinião responder o melhor possível a estas perguntas.

Obviamente que podemos considerar os factos científicos ou históricos (datas e acontecimentos em si) como verdades. Neste sentido há várias verdades mas não necessariamente imutáveis, pois no caso da ciência os axiomas estabelecidos como “verdadeiros” são apenas corroborados e não absolutos.


A importância de encontrar o cisne preto no lago de cisnes brancos, como avisava Karl Popper. Galileu ao provar que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário é exemplificativo desta mesma ideia. A verdade que pretendemos compreender não é propriamente segundo este prisma; mas sim o que consideramos verdadeiro, ou se quer se há algo que podemos afirmar com certeza, não só na vida mas sobretudo na política. Como veremos melhor a seguir o prisma científico e as suas verdades não se podem (mesmo que haja quem discorde profundamente, não só no mundo das ideias como na prática) aplicar à política pois haverão consequências drásticas para a vida. A verdade aqui refere-se a um conjunto de valores (bem, mal, lealdade, amizade, amor, justiça, etc.) e como os podemos entender. Estamos no domínio da teoria política e da filosofia.

Na minha concepção, o conceito de verdade está diretamente relacionado com o nosso entendimento da razão. É aqui que discordo do racionalismo moderno que vê a razão como um pasteleiro que seguindo os passos certos pode cozinhar o bolo perfeito.

Neste caso por bolo compreenda-se uma verdade que adquire caráter absoluto de forma extrínseca, ou seja, porque tem um caráter utilitário para a maioria das pessoas, ou até mesmo para todos. Simplesmente porque têm o selo racional que seguiu o método. Tal como na ciência. Não existe nada mais se não um grande relativismo e subjetivismo. Os valores aqui são mais armas de arremesso político e social, onde um tenta destruir os restantes e moldar a sociedade em sua função. Axiomas não podem ser por isso serem “verdades”, pois como se observa nas ideologias resumem-se a máximas racionais de caráter universal (à força) compiladas num livro sagrado e que através da mesma razão justificam tudo o que se possa fazer na prática para chegar a uma espécie de paraíso na terra que cure todos os males.

Ter uma ideia, quer no domínio da política quer da moralidade, não pode ser justificada só porque condiz com a realidade porque essa não só varia em função do tempo ou das leis da natureza mas sobretudo porque pode ser perfeitamente moldada pelo homem. Aliás, é graças aos avanços da ciência moderna e o nascimento deste tipo de conhecimento que o homem sentiu que não estava mais sobre influência da Natureza mas ao contrário (tal como referido por Francis Bacon).


Devido a esta evolução rapidamente ambos os domínios se misturaram e a diferença entre como o mundo devia ser e realmente é para os pensadores políticos da modernidade desapareceu, florescendo assim o tal relativismo que mencionei.

Este para mim é o grande problema da moralidade de Kant e da sua criação de máximas morais universais que se tornam leis. Reconhece que é possível conhecer a realidade em si mesma e quem sabe algo transcendente a tudo o que pode ser captado pelos sentidos, mas por alguma razão decide traçar uma linha e colocar os nossos valores morais em caixas de entendimento variável humano.

O outro entendimento possível da razão, e a meu ver o mais correto, é o que a considera como um instrumento para compreender a verdade como algo que já existe por si só. Isto não impede que tenha que haver obrigatoriamente uma só verdade perfeita que resulta de toda a junção dos diversos valores: bem, justiça, dever, lealdade, o belo, e por aí em diante.

Todos eles podem existir em separado (e assim sendo, diversas “verdades”) mas que influenciam a razão na escolha e não o contrário. Importante referir que no caso de todos se confluírem numa verdade absoluta não existe propriamente um “custo de oportunidade” entre, por exemplo, o amor e o dever ou o bem e a justiça, pois ao escolher o que é justo estou necessariamente a realizar o que é bom.

Afirmando que este é o único entendimento correto da razão, a grande questão que nos devemos colocar então é a seguinte: na política e na vida é necessário estabelecer uma linha entre uma verdade moral universal e a escolha entre vários valores/verdades? Não e sim.

«Não» porque quer numa dimensão quer na outra precisamos sempre de distinguir um bem geral e tentar fazer o que está correto acima de tudo. Se amamos ou damos a cada um o que é devido, se somos leais aos nossos amigos (aqui estamos também a mostrar um tipo de amor), estamos sempre a cumprir de alguma forma com um bem comum. Se o bem comum é a verdade, não significa que seja algo simples exato; da mesma forma que no The Hitchhiker`s Guide to the Galaxi numa das aventuras, os membros do grupo ao encontrarem um computador que lhes disse o significado da vida, como sendo unicamente e somente: 42.


Há várias formas de ver o bem e a ética, com contributo de vários pensadores ao longo da história da filosofia, sem nunca se contradizer. Até mesmo na escolha entre valores, eu posso não estar a fazer o bem de uma forma mas faço de outra através de outro valor que a ele conduz também. Se nos últimos 120 anos (para não falar do resto da humanidade) começaram por morrer milhões de pessoas, a seguir morreram outros milhões e depois disso de forma dispersa continuaram a morrer milhares, é óbvio que falta aqui uma bússola moral qualquer. É fácil dizer depois da guerra começar que se tiveram de fazer escolhas entre valores, mas e antes?

Isaiah Berlin afirmava que a nossa queda do jardim do Éden foi essencial para nos desenvolvermos politicamente e socialmente. Por queda, entenda-se a discórdia e até o conflito. Uma crítica a todos aqueles que tentaram construir um paraíso na terra, criando um inferno. Crítica que também fiz anteriormente e por isso algo que concordo em absolutamente. Em primeiro lugar, acho que isto só se aplica ao racionalismo moderno e não aos filósofos pré- socráticos e pós-socráticos; aos quais, para mim, se aplica apenas o segundo entendimento da razão.

Segundo, é óbvio que a vida humana e nós seres em particular, somos o exemplo máximo de incongruência até ao tutano. A vida em si é uma mancha cinzenta. Obviamente haverão escolhas morais em que existirá perda ou outras um vazio completo. Contudo, eu discordo que isto implica uma linha vermelha para com o pensamento monístico socrático e platónico. Há uma linha mas ténue, pois vamos sempre precisar na maioria dos casos de algo que nos guie (superior a nós) e torne o que é cinzento, mais claro, onde não há propriamente escolha, mas apenas o que está certo e clarividente. A literatura e o comportamento humano, onde ela se baseia, demonstram isto. É nas nossas ações que esta verdade absoluta composta de outras pequenas verdades está diluída.

No início da última semana e se nessa altura tivesse terminado este artigo, muito provavelmente teria ficado pelo último parágrafo. No entanto e da forma mais dolorosa aprendi que quando saímos do mundo das ideias a “coisa” fica mais feia. Esta última conclusão e para efeitos académicos a deste texto, não deixou de ser verdade. Apenas sinto me no dever de adicionar algo mais, e extremamente importante. Devemos fazer o que está certo mas em momento algum devemos ser tão rígidos em julgar o outro.


Nem que tenhamos grandes certezas de que é caminhar totalmente nos seus sapatos. Temos que ter a consciência de que podemos ser sempre piores que aquele ao nosso lado. Somos quase nada nesta vida e todos podemos bater no fundo do poço.

Gostaria de deixar um conselho para os mais novos na esperança que algum possa ler isto eventualmente: não queiram crescer, não tenham pressas nenhumas; continuem a brincar com os vossos amigos, a imaginar e ver filmes de super- heróis (só não façam muito barulho, há adultos que nunca cresceram) e mais importante que tudo: abracem e encham de carinho os vossos pais e irmãos sempre. A verdade, o que importa, na vida encontra-se aqui e por pouco tempo. O resto é passagem.

“O ser humano é só carne e osso e uma tremenda vontade de complicar as coisas” — Valter Hugo Mãe. (Homens Imprudentemente Poéticos)