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A 1 de Dezembro celebraram-se os 104 anos da Grande União dos Principados Romenos. Os Romenos saíram à rua para comemorar a ideia apaixonada de “Rumanidade” e encheram as margens da Avenida Regele Mihai I al României para presenciar a parada militar que atravessou (por baixo d)o Arco do Triunfo. Mas o orgulho nacional que preenchia o coração dos romenos rapidamente desvaneceu com o findar do dia, transformando-se, qual metamorfose, em vergonha nacional, por vezes desprezo e, não menos raro que isso, ódio. A que se deve este fenómeno? Talvez a História ajude a explicar.

Dácia teve a feliz ou infeliz fortuna de se cruzar com Trajano em 101d.C, tendo sido derrotada pelos romanos em duas fortes campanhas cujos relatos vitoriosos podem ser presenciados na Coluna de Trajano. Como em qualquer outra colónia romana, o Império procedeu à romanização dos povos conquistados.


Todavia, a Dácia não foi conquistada por inteiro, sobrevivendo aos dias de hoje muito daquilo que era a identidade dos geto-dácios. Aquando das invasões bárbaras sobre o Império Romano, muitos ou atravessaram ou se estabeleceram na atual Roménia, deixando os seus rastos e fundando reinos. Os Hunos, os Gépidas, os Ávaros, Eslavos e Cumanos, entre outros que por lá passaram, explicam, em parte, os rastos de influência linguística germânica, turca e eslava que, misturada com o latim, originaram a bela e interessante língua romena que hoje temos.

Na Idade Média, as tribos foram constituindo-se em ducados e, posteriormente, em principados - a Transilvânia, a Valáquia de Basarab I, e a Moldova de Dragoș. Enquanto principados independentes, a Valáquia e a Moldova travaram inúmeras batalhas contra os Otomanos para impedir a expansão do Islão para lá do Danúbio. Uma floresta de turcos empalados está, aliás, por detrás da lenda de Vlad, o Drácula. Contudo, a queda do Império Romano do Oriente e o forte avanço turco pela Europa adentro fez com que a Valáquia e a Moldova se tornassem estados suseranos do Império Otomano, isto é, vassalos com uma certa autonomia interna e períodos de independência, isto ao longo dos séculos XV e XVI.


O Império Russo integra no seu vasto território a Bessarábia (parte oriental de Moldova) em 1812 e a Austro-Hungria anexa a Transilvânia ao seu território em 1867. No mesmo espaço de tempo, mais precisamente em 1848, inicia-se entre os povos romenos a chamada “Renascença nacional da Roménia”, fortemente influenciada pelas revoluções liberais e nacionalistas do século XIX. Com o apoio de Napoleão III e com o enfraquecimento dos Otomanos, em 1858 Alexandru Ioan Cuza foi escolhido como Senhor da Valáquia e Moldova, doravante chamada Roménia, entidade essa que passou a Reino da Roménia em 1877 com a coroação de Carlos I, príncipe alemão da casa de Hohenzollern.

Em menos de cinquenta anos, a Roménia viu o seu território duplicar com o fim da Primeira Guerra Mundial, reavendo a Bessarábia aos Russos e a Transilvânia aos Húngaros. É então no ano de 1918 que se dá uma sequência de acontecimentos onde, região a região, a Roménia vê aumentar o seu território e, menos de um mês depois do armistício, reúnem-se, em Alba Iulia, mais de mil delegados oficiais de todas as regiões da Transilvânia e cerca de cem mil Romenos para assistir à “Grande Assembleia Nacional”. Nesta, toma-se a decisão de secessão do território das rédeas da Monarquia Austro-Húngara e a união desta com a Roménia, assinada e proclamada a 1 de Dezembro (no novo calendário).

“A partir de agora, por mais que os poderes do mundo decidam, a nação romena está determinada a perecer, do que sofrer mais escravatura e enforcamento.”

O período entreguerras não foi fácil para o mundo sócio-político da nova e bela Grande Roménia. Assolada por uma classe política extremamente corrupta, a nação enfrentava vários movimentos anti- sistema. Por um lado, havia quem desejasse, junto de D. Carlos II, um papel mais ativo da Casa Real. Por outro lado, os ventos vermelhos do Leste atravessavam clandestinamente as paixões dos associados do Comintern. Ao mesmo tempo, em resposta ao crescimento do Comunismo, a Guarda de Ferro surge como alternativa política, alimentando o medo ao Comunismo e às pretensões estrangeiras sobre o território romeno, especialmente as judaicas. O movimento assumidamente antissemita e anti-magyar cresceu, e muito, com a Grande Crise.


Em 1938, para evitar um governo que integre membros da Guarda de Ferro, o rei Carlos II destituiu o governo e instaurou uma ditadura real de curta duração. Passados dois anos, a 6 de Setembro de 1940, o rei abdica em resultado das perdas territoriais de 1940 (Bessarábia e Bucovina de Norte para a URSS e o Norte da Transilvânia para a Hungria) e deixa como chefe de estado o marechal Ion Antonescu e no trono o seu filho Miguel, acabado de sair da minoridade, com nenhum poder real. Entre 1941 e 1944, Antonescu conduz o país como ditador militar. Aquilo que Carlos II tentou evitar revelou-se inevitável dado que os partidos políticos não se quiseram aliar a Antonescu, este indo buscar à Guarda de Ferro membros para integrar as alas do seu governo. Como o leitor pode imaginar pela natureza ideológica da Guarda de Ferro, a Roménia lutou ao lado de Hitler na Segunda Guerra Mundial até Agosto de 1944 quando Miguel, junto dos partidos de oposição, destituiu Antonescu e a armada romena passou do lado dos Aliados.

Dois anos do fim do grande conflito e a Roménia proclama-se como República Popular Romena, forçando Miguel a abdicar. Este ato político não foi expressão de uma vontade popular, livremente expressa, mas resultado de um diktat de um grupo político, nomeadamente o comunista, que iria levar a Roménia a um estado de obediência à URSS e transformando-a num estado totalitário.

A 13 de Abril de 1948 assina-se a primeira constituição do período comunista da Roménia, onde constava a ilegalização e punição de qualquer associação de “caráter fascista ou antidemocrático”, tendo em conta a interpretação soviética da palavra “Democracia”. A mesma ainda garantia a liberdade de imprensa, de expressão e de associação, mas apenas “para aqueles que trabalham”. Procedeu-se, evidentemente, à coletivização agrícola, às nacionalizações e à perseguição religiosa, liquidando-se a Igreja Romena Unida com Roma, Greco-Católica, e unindo-a à Igreja Ortodoxa Romena. O processo de “russificação” estava em marcha, alterando a história, os valores, os símbolos, a língua, et cetera. Stalin considerava que os romenos eram eslavos desnaturalizados e portanto era necessário libertá-los da romanização que sofreram.

“Stalin şi poporul rus, libertate ne-au adus.” (Stalin e o povo russo, liberdade nos trouxeram)

Gheorghe Gheorghiu-Dej, um estalinista duro, não alinhava muito com as reformas de Nikita Khrushchev e com o processo de “destalinização” que o próprio pretendia seguir a partir de 1956. Este entendia que as reformas “liberais” de Khrushchev minariam a autoridade do regime. Ao mesmo tempo, Dej tomou medidas de reforço do caráter nacional, limitando as influências da cultura russa no país: a língua russa, por exemplo, deixou de ser obrigatória no currículo escolar.


Anos mais tarde, surge a figura política de Nicolae Ceaușescu como presidente do PCR (Partido Comunista Romeno) em 1965 e Chefe de Estado em 1967. A imediata condenação da invasão da Checoslováquia por parte dos tanques soviéticos em 1968 e um alívio da repressão interna causou uma boa impressão do ditador tanto no leste como no ocidente e reforçou a posição de “individualidade” da nação romena na maré vermelha à direita da Cortina de Ferro. Ceaușescu apostou imenso no desenvolvimento da indústria pesada, num ritmo aceleracionista que desprezava a indústria dos bens de consumo, como Ion Maurer (Primeiro- ministro 1961-1974) o avisou; desenvolveu a infraestrutura férrea do país; concedeu, em certa medida, trabalho e habitação para os seus concidadãos; e foi o único país a alguma fez liquidar a sua dívida externa, na primavera de 1989. Ceaușescu endividou o país para fomentar o desenvolvimento económico de tal maneira que se viu na impossibilidade de honrar o pagamento das dívidas.

Com a ajuda do FMI e através de negociações com os credores, foi possível sair da situação de crise. Porém, a humilhação a Ceaușescu foi tanta que este tomou a decisão de pagar, na totalidade, a dívida externa do país.

E assim o fez. A partir de 1982, tudo o que a Roménia produziu de bom era exportado. A dívida externa foi paga na totalidade, mas a que custo?


Os produtos de estrita necessidade eram racionalizados, a poupança da energia era encorajada através de qualquer meio (o fornecimento de eletricidade falhava quase diariamente), e a qualidade de vida geral estava numa contínua descida.

A crescente austeridade do líder socialista deveu-se, em grande parte, à visita oficial que o mesmo fez à Coreia do Norte em 1971, onde ganhou uma grande admiração pela ideia de “transformação nacional total” e pelo culto à pessoa. As contínuas vagas de repressão política eclodiram na Revolução de 1989, onde o ditador e a sua mulher foram executados no dia de Natal, marcando, simbolicamente, a mudança de regime.

Trinta anos de democracia e o que temos? Temos um país cuja dívida externa cresceu exponencialmente a partir de 1990, um país conhecido pela sua corrupção, com um sistema de saúde e de ensino débil, infraestruturas frágeis e perigosas, vendido às forças estrangeiras de exploração do capital.

Durante toda a sua história, o povo romeno viu-se total ou parcialmente subjugado a forças estrangeiras, desde os Romanos às tribos invasoras, os Turco-Otomanos e Russos, os Húngaros e os Soviéticos, e isto os envergonha. Mas a União parece fazer sentido, uma esperança de liberdade e independência que não finda. Se calhar, é isso que define a “Rumanidade”. Se calhar, ser livre e independente é deixar de ser Romeno.

“In memoriam daqueles que sendo obrigados a trabalhar para este edifício, crendo em Deus e na Pátria, e tendo a consciência inflexível e um sentimento profundo, lutaram com a ajuda das suas palavras ditas ou escritas, com as ações e com as armas pela Liberdade e contra o Comunismo. Erguemos-lhes esta cruz pelos sofrimentos, pelos sacrifício e supremo sacrifício em sinal da crença pela qual lutaram. Glória eterna! — Associação dos Ex-detidos políticos”


“Que este símbolo cristão relembre no futuro os erros comunistas que fizeram com que nestas terras históricas o belo assentamento que foi a Comuna Câmpu Iui Neag desaparecesse para todo o sempre.”