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A descoberta de esquadras clandestinas chinesas, em setembro, tem causado, no mínimo, desconforto nas forças políticas e policiais dos Estados alvos desses esquemas. A denúncia destas esquadras foi feita pela Organização Safegard Defenders, uma organização não lucrativa em prol dos direitos humanos. Até aos dias de hoje, foram descobertas 102 esquadras clandestinas em 53 países diferentes, abrangendo países como os EUA, o Canadá e até a Sérvia e Roménia. A maior parte situa-se na Europa, com a Espanha e a Itália a somarem o maior número de delegações. O que torna este tema alarmante é o propósito destes centros. A sua função é o controle de dissidentes chineses e coação ao retorno para a China. Entre Abril de 2021 e Julho de 2022 cerca de 230.000 alegados fugitivos foram “persuadidos” a regressar para território chinês.


Os relatos de queixas incluem ameaças de retaliação aos familiares, repatriamento à força, prisão de concidadãos e até identidades falsas de pessoas que morriam. No final de Outubro a China negou as acusações alegando que essas esquadras eram, na verdade, centros de serviço estabelecidos para apoiar os cidadãos chineses que não conseguem retornar à China por conta da pandemia de Covid-19, com serviços como a renovação da carta de condução, oferecendo também exames médicos. Mesmo com essa justificação o porta- voz chinês ainda considerou necessário afirmar que houve sempre pleno respeito pela lei internacional e soberania judicial dos outros países. No entanto no dia 14 de Dezembro o Ministério dos Negócios estrangeiros em Pequim veio admitir a existência destas esquadras de polícia no estrangeiro mas “sem atividade policial”, negando novamente as acusações e reforçando as justificativas previamente dadas, o porta-voz acrescentou que estas esquadras foram criadas “por grupos de chineses apaixonados no exterior” e são dirigidas por “voluntários comprometidos com a diáspora chinesa e não por agentes da polícia chinesa”. A incoerência das explicações dadas, próprias de regimes autocráticos que sentem-se exageradamente confortáveis ao desrespeitar democracias e a soberania territorial de outros Estados, expõe-se principalmente no facto de que algumas destas esquadras terem sido criadas em 2016, muito antes do início da pandemia. A resposta a essa ameaça por parte das potências democráticas infelizmente não tem demonstrado consistência ou uniformidade. A Comissão Europeia, por exemplo, aconselhou os Estado a investigarem a existências destas esquadras, o resultado foi um contraste entre a Itália que foi acusada de “fechar os olhos” para a existência destas delegações clandestinas alegando ter descoberto apenas uma esquadra credível e alimentando as suspeitas que que o país foi usado como cobaia de teste para esse esquemas; e a Alemanha que acusa altos funcionários de prestar assistência para a promoção da ideologia e política do governo chinês. Nesta perspetiva, a Itália está a ser censurada por ser o elo fraco nos esforços europeus para combater a influência chinesa. Esta estratégia chinesa é uma tentativa afrontosa de envenenar as democracias com valores autocráticos e um completo desrespeito à soberania territorial, colocando em causa inclusive o poder dos Estados de concederem asilo político.


Considerando que a postura chinesa demonstra uma certa despreocupação com as consequências de tais atos, a resposta das democracias à existência dessas esquadras ilegais deveria demonstrar que não existe impunidade por parte da comunidade internacional para o desrespeito a qualquer tipo de soberania dos Estados. A falta de escrúpulos chinesa demonstra o perigo de uma abordagem sutil para conseguir influência não apenas no ocidente mas em todo o mundo, uma influência que do ponto de vista dos direito mais básicos e liberdades mais fundamentais é extremamente maléfica e muitas vezes não é tratada com a seriedade que é necessária para proteger esses valores. Tomar certos valores como garantidos já está a ter um custo muito pesado para todo o ocidente com a guerra na Ucrânia, o que mais seria preciso para tirar as democracias da inação e da comodidade perante tais ameaças? Ignorar o perigo que estas esquadras clandestinas apresentam seria apenas mais uma escolha irresponsável e representaria mais uma vez a falha do ocidente em defender os valores que supostamente são a base fundamental das nossas democracias.