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José Pedro Castillo Terrones é um professor e líder sindical marxista que alcançou proeminência na greve de professores de 2017. Castillo concorreu à presidência pelo partido Perú Libre e ganhou as eleições em 2021 contra a filha do ex-presidente Alberto Fujimori. De origem humilde, Castillo iniciou a sua carreira na política em 2002 pelo partido Perú Posible, mas não tinha exercido nenhum cargo político até 2021. Com a greve dos professores em 2017, durante o governo de Pedro Pablo Kuczynski, Castillo ganhou destaque ao procurar aumentar os salários, pagar a dívida social, revogar a Lei da Carreira de Professor Público e aumentar o orçamento do sector da educação. Castillo teve o apoio daquela que seria a sua futura adversária no pleito de 2021 e de muitos apoiantes do “Fujimorismo” que pretendiam desestabilizar o governo de Kuczynski na altura.


Foi, porém, na fatídica tarde de 7 de dezembro de 2022, que Castillo, até então presidente da República do Peru, TENTOU decretar a dissolução do parlamento peruano e estabelecer um novo governo de emergência excecional para que pudesse haver a possibilidade de novas eleições parlamentares no Peru. Castillo pediu que todos aqueles que tivessem em sua posse armamento ilegal o entregassem ao exército e convocou ainda uma nova assembleia constituinte de modo a que pudesse ser elaborada uma nova constituição para o Peru, deixando para trás a constituição Fujimorista de 1993.

Contudo, a “castillada” foi por água abaixo. Sem nenhum apoio dos militares e numa tentativa um quanto que desesperada, Castillo fez o seu pronunciamento do Palácio do governo, lugar em que seria preso 2 horas depois da sua declaração. Castillo foi preso e destituído do seu cargo pelo Congresso peruano, que não obedeceu à ordem do presidente por este não deter “capacidade moral” para exercer o cargo. O processo de destituição de Castillo estava a ser debatido e avaliado pelo Congresso há algum tempo, sendo que o Congresso tentou por duas vezes destituir o presidente, embora sem sucesso.

Porém, na última semana, devido a investigações do Ministério Público Peruano sobre possíveis esquemas de corrupção em que Castillo faria parte, outra moção de destituição foi apresentada no parlamento peruano contra o presidente.

Guillermo Oliveira, advogado de Pedro Castillo, disse que o ex-presidente “não se lembra do discurso golpista” e afirmou à Agence France-Presse (AFP) que Castillo “estava sob a influência de algum sedativo”. O ex-chefe de gabinete do presidente Castillo disse haver “indícios” de que Castillo “foi obrigado a ler” o texto. “Quem redigiu o texto o fez com o objetivo de dar argumento para o impeachment, porque até então não tinha os votos no Congresso”, declarou. Porém, ainda não existem evidências concretas dessas afirmações.

Mas como foi possível chegarmos a esse ponto? Bem, no Peru, as destituições de presidentes e dissoluções do Congresso são mais comuns do que possa parecer. Sendo que, pela quarta vez em quatro anos, teremos outra figura a comandar o Peru que não foi eleita para o cargo mais alto do país. Isto porque a história constitucional peruana dos últimos 25 anos, desde Alberto Fujimori a Martín Vizcarra, é complexa e cheia de desavenças.


Pela lei peruana, o presidente pode “dissolver o Congresso se este tiver censurado ou negado sua confiança a dois gabinetes”, e portanto, com a terceira moção de censura para destituição do cargo, Castillo estava dentro da lei quando decidiu dissolver o Congresso. Essa lei vem da constituição de 1993 de Alberto Fujimori que foi presidente do Peru entre 1990 e 2000. Fujimori é uma figura um tanto quanto controvérsia na política peruana, pois embora tenha conseguido, durante os seus dois mandatos, estabilizar a macroeconomia do país, o período autoritário do seu governo, juntamente com escândalos de corrupção e violação de direitos humanos no país, decretaram a sua queda e eventual prisão no fim do segundo mandato em 2000, com muitos peruanos a considerá-lo no fim como um ditador.

A polémica constituição de 1993 está relacionada com o período designado por especialistas como o “Autogolpe de 1992”, onde o então presidente Alberto Fujimori, que pretendia fazer reformas económicas sem o empecilho do Congresso e do Senado, decide abolir de vez a câmara alta legislativa do país e dissolver o Congresso.

Ao contrário de Castillo, Fujimori tinha apoio dos militares e ordenou que estes enviassem tanques ao Congresso para fechá-lo. Quando os senadores tentaram continuar a sua sessão, os militares utilizaram o meio da força para retirá-los do local com bombas de gás-lacrimogêneo.

A constituição Fujimorista, promulgada em 1993 permite que o presidente tenha o poder de dissolver o congresso e convocar novas eleições após a votação de duas moções de censura ao presidente pelos deputados. Contudo, o erro - e ilegalidade - de Castillo foi justamente o estabelecimento de uma nova constituinte após a dissolução do congresso, poder este que não cabe ao presidente. O Congresso, que desobedeceu às ordens de Castillo, votou a favor do seu “Impeachment” por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções.

Existem especulações de que, antes de ser detido, Castillo tentou buscar asilo na embaixada do México em Lima na tentativa de escapar a uma possível prisão, e estaria a caminho da embaixada quando foi interceptado por forças de segurança. A verdade é que na quinta-feira após a prisão de Castillo, o secretário de relações exteriores do México, Marcelo Ebrard, explicou nas suas redes sociais, via Twitter, que Castillo pediu oficialmente asilo ao governo mexicano.


Mais tarde, no mesmo dia, o Presidente Mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador confirmou a informação, também através do Twitter, enfatizando que o presidente foi vítima de “elites económicas e políticas”. É importante também ressaltar o papel do México nestas situações envolvendo figuras políticas na América Latina. Em 2019, o então presidente da Bolívia Evo Morales renunciou ao cargo e pediu asilo político por razões humanitárias ao governo de Lopez Obrador, asilo “ao qual o México respondeu com uma ampla mobilização de meios” de acordo com o jornal EL PAÍS, assumindo assim uma certa “liderança” no que diz respeito a questões deste tipo. Com o pedido de Castillo, Lopez Obrador vem exercer novamente um papel essencial na mediação do possível trânsito do agora ex-presidente peruano para o México.

Dina Boularte, a agora ex-vice de Pedro Castillo, assumiu a pasta da Presidência, sucedendo ao antigo colega de partido. Boularte é licenciada em Direito pela Universidad de San Martín De Porres e mestre em Direito Notarial e Registral pela mesma universidade, de acordo com o seu currículo na plataforma do Estado Único.

Em 2018, foi candidata a prefeita de Surquillo pelo Partido Perú Libre. Dois anos depois, em 2020, participou nas eleições parlamentares extraordinárias, mas não conquistou a cadeira. Foi em 2021, juntamente com Pedro Castillo, que conquistou o seu primeiro cargo político de expressão: a vice-presidência.

Com a missão de unir o Peru, Boularte anunciou que apresentará ao Congresso um projeto de lei que permitirá antecipar as eleições gerais em dois anos até 2024. A afirmação de Boularte, entretanto, ocorreu depois de protestos pedindo eleições gerais após a deposição de Castillo no passado domingo, dia 11 de dezembro. Dois adolescentes foram mortos e quatro pessoas ficaram feridas. Os manifestantes, muitos deles partidários de Castillo, exigem há dias que o Peru realize eleições em vez de permitir que Boluarte permaneça no poder. Alguns manifestantes também pediram que o Congresso seja fechado.

Na quarta feira dia 14, a meio dos protestos, o Governo declarou estado de emergência por 30 dias, sendo que este período foi alargado para 60 dias após as mortes em protestos de manifestantes pró-Castillo que clamam pela sua liberdade. Os aeroportos foram fechados e militares foram destacados para as ruas em uma tentativa de conter os manifestantes. Cabe agora à primeira presidente mulher do país levar o Peru à estabilidade e garantir que a democracia e o Estado de Direito continuem a existir na República Andina.