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O final do ano é frequentemente uma época em que se fazem balanços, analisa-se criticamente o ano que finda e conjetura-se acerca do futuro que se avizinha. Proceder a uma reflexão crítica permite entrar num novo ano conscientes de que mudanças urgem ser feitas - também no campo político esta prática é profícua.

Desde o início do milénio, crises de diversas naturezas assolaram o mundo: em 2001 um ataque à cidade que nunca dorme apavorou o mundo em 2008 uma crise de natureza financeira arrasou as economias mundiais e contribuiu fortemente para a inevitabilidade da intervenção externa em Portugal, anos mais tarde uma crise migratória obrigou o continente europeu a confrontar-se com um dilema entre segurança e solidariedade, em 2020 uma crise pandémica fechou em casa milhões de pessoas, dois anos depois a guerra - um cenário que nos parecia tão distante - regressou ao velho continente.


Em 2011, pela terceira vez na nossa história económica recorremos à ajuda financeira externa. Na sequência de uma crise económica que tivera lugar três anos antes, após um aumento constante de despesas públicas, défice orçamental em níveis históricos e a ausência de crescimento económico tornou-se inevitável a intervenção da Troika em território nacional. Procedeu-se a alterações na política económica que permitiu que três anos volvidos a intervenção findasse. Portugal não voltaria a ser o mesmo, a política nacional tornar- se-ia imprevisível: em 2015 quem ganhou as eleições não governou e coligaram-se os três maiores partidos políticos à esquerda para evitar que a direita subisse ao poder. Sete anos depois uma maioria absoluta apanhou de surpresa a nação.

O orçamento de Estado do presente ano revela quais são as prioridades do executivo e as áreas que são deixadas de lado. Mais uma vez o crescimento económico não está no topo das prioridades, se assim continuar a cauda da Europa não se limitará a uma mera questão geográfica, dirá também respeito à prosperidade.

Enquanto existir a assunção de que o crescimento económico está desligado da melhoria das condições de vida continuaremos a viver num país com salário baixos. A estagnação económica não é uma fatalidade e não é alheia ao exercício do poder político e das escolhas feitas.

Os diagnósticos estão feitos, há muito que sabemos que o futuro está repleto de desafios, cuja resolução implica proceder a reformas estruturais, falta é vontade, ou melhor dizendo, coragem para as fazer.

Dados do Eurostat revelam que apesar de a carga fiscal portuguesa estar abaixo da média europeia, o esforço fiscal é o 6o maior. Contrariamente ao expectável, os serviços públicos a que os portugueses têm acesso estão longe de estar ao nível dos impostos que pagam.

O Serviço Nacional de Saúde possui um problema estrutural e o governo teme em não o aceitar, esquece-se apenas que a inação surte mais efeitos do que a ação, adiar reformas não evita a necessidade de que sejam feitas, pelo contrário, contribui para que no dia em que a coragem para as fazer emerja o grau de degradação do serviço requeira um nível de intervenção ainda mais profundo. Constatar este facto não é ser inimigo da prestação do serviços de saúde por entidades públicas, é sim estar do lado do utente cujo único objetivo da deslocação a uma unidade de saúde é o tratamento, pouco ou nada interessa a natureza de quem o presta.


O fenómeno de “brain drain” – fuga de cérebros – cresce acentuadamente em Portugal. Exportamos o futuro! Cada jovem que sai leva com ele ambições, projetos e conhecimento que tão preciosos contributos dariam ao país. Lamentavelmente, a sua terra natal não está à altura dos seus sonhos. Possuem a legítima aspiração de ser, receber e alcançar mais, infelizmente isso tem o custo da não retenção dentro das fronteiras nacionais da geração mais qualificada de sempre. O Diário de Notícias, a 12 de dezembro dava a conhecer as razões que motivam a saída dos jovens: o salário, a estabilidade e o reconhecimento. Os que não colocam a mala às costas ficam mais tempo em casa dos pais do que desejam: Portugal ocupa o topo da lista de países europeus em que os jovens mais tardiamente saem de casa, aos 33,6 anos.

A combinação dos indicadores previamente mencionados auguram um futuro pouco promissor para terras lusas.

Há algo incontornável: sem alteração de estratégia não se alterarão resultados!

Se a narrativa não se alicerçar em factos rapidamente será desmentida pela realidade, como sucede com tanta regularidade: não, não estamos a ganhar 7- 0 ao FMI como mencionado pelo chefe do executivo no que diz respeito às previsões de crescimento económico e não, a falta de literacia financeira não foi suficiente para que os reformados, a quem é prometido o céu e a terra, não se apercebessem que a atribuição de um suplemento extraordinário no valor de meia prestação em outubro culminaria na redução do aumento a partir de janeiro.

Algumas das conquistas da Revolução dos Cravos representam hoje desafios a que temos de saber responder, entre as quais o Estado Social.


Os números são esclarecedores: sem apoios sociais 4,4 milhões de pessoas são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza, valor fixado nos 554 euros mensais. O Estado Social, enquanto organização político-económica que coloca no centro o Estado como agente da promoção social não deve fomentar a dependência dos cidadãos, deve pelo contrário promover a sua emancipação de modo a que a curto-médio prazo deixem de ser reféns de transferências sociais.

O elevador social, que deveria ser o garante da igualdade de oportunidades, revela sinais de profunda degradação: a lotaria social e económica é cada vez mais determinante e condiciona as possibilidades de sucesso. Somente se assegurarmos que a posição económica não determina as oportunidades dadas aos indivíduos ao longo do seu percurso, conseguiremos garantir a diminuição das desigualdades.

Países cuja proximidade ao epicentro da guerra é maior, conseguem obter resultados económicos manifestamente mais positivos que os nossos.

A notícia de que Portugal viria a ser ultrapassado pela Roménia surgiu na manchete do Jornal Expresso a 24 de novembro. Tal facto deve deixar-nos no mínimo preocupados, no máximo inconformados - algo de errado os nossos decisores políticos estarão a fazer, ou melhor dizendo a não fazer.

Não há dia em que os jornais não relatem o caos em que se encontram áreas como a justiça em que até papel falta, na defesa em que se perpetuam no executivo ex-detentores de cargos públicos cuja legitimidade política é altamente questionável, à saúde em que utentes em deslocações ao serviço de urgência do Hospital de Santa Maria são confrontados com tempos de espera superiores a 14 horas.

Nenhum de nós pode ficar indiferente aos factos - compactuar com a perpetuação de uma estratégia que prova diariamente que não merece que nela seja depositada confiança torna inevitável o nosso insucesso coletivo.

Demissões de ministros à segunda, afastamento de secretários de estado à terça, espelham a estratégia errática ou no limite a ausência de estratégia de governação. Um ato que devia ser pontual tornou-se parte da rotina de um executivo com pouco mais de oito meses de existência.


Dia após dia temos conhecimento de um caso aqui outro caso acolá, a maioria tem uma particularidade em comum: os envolvidos estão diretamente ligados ao arco da governação. Sabemos disso, encolhemos os ombros e avançamos como se nada connosco fosse e como se estivéssemos condenados a ter uma classe política que perpetua uma cultura de impunidade e tem pouco apreço à prestação de contas e assunção de responsabilidades. Falta a Portugal uma verdadeira cultura de exigência face ao poder político: promessas são feitas para serem cumpridas, não quebradas. Palavras leva-as o vento e o tempo tem revelado que poucas são as promessas que saíram do papel e surtiram efeitos concretos na prática.

Se a verdade continuar a ser omitida é legítimo que exista e que se perpetue o desinteresse e uma desconfiança permanente face ao poder político. É normal que paire sobre os pensamentos dos portugueses a seguinte questão: será que o nosso fado é estarmos condenados a um atraso centenário?


Fernando Pessoa, notável escritor a quem o dom da palavra foi concedido num dos seus poemas descreveu de forma exímia a postura do português face à vida, cuja atualidade é inequívoca: “O português é capaz de tudo, logo que não lhe exijam que o seja. Somos um grande povo de heróis adiados. Partimos a cara a todos os ausentes, conquistamos de graça todas as mulheres sonhadas, e acordamos alegres, de manhã tarde, com a recordação colorida dos grandes feitos por cumprir” : de potencialidades está o país cheio houvesse coragem para executar e certamente seríamos uma grande nação!

Remendar com pensos rápidos problemas estruturais e procurar soluções de curto prazo para questões com raízes profundas conduz o país para uma encruzilhada de onde não sairemos se nos faltar a audácia. Um executivo desprovido de ambição, cujo princípio político orientador é a mera perpetuação no poder, que governa com os olhos postos nas próximas eleições e não nas próximas gerações encaminhar-nos-á para a cauda da Europa.

Brindamos ao futuro mas a inexistência de reformas não nos garantirá que os amanhãs que cantam sejam risonhos. “To change is difficult. Not to change is fatal”, frase da autoria de William Pollard resume de forma exímia aquela que tem de ser a nossa postura face ao futuro: inverter o ciclo de estagnação que assola o país há mais de duas décadas tem de ser o desígnio nacional, sejamos corajosos e não nos conformemos pois de temerosos não reza a história!