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O sol causa um calor sufocante, a terra cor-de-laranja, árida e seca por debaixo dos pneus das viaturas que passam, HMMWVs (leia-se, Humvees) e URO VAMTACs brancos tingidos de laranja (do imenso pó do solo, claro está) e com inscrições a negro: “U.N.”, destacando que, quem aqui vai, parte em missão da ONU. Dentro das viaturas vão homens e mulheres altamente treinados e bem equipados, com botas também tingidas de laranja, como toda a farda. Na cabeça a proteção que não pode faltar de um capacete modular, o colete tático que protege os órgãos vitais, mochilas e bolsas de primeiros socorros. O armamento é novo. Recentemente, estes soldados trocaram as suas velhas G3 por SCARs-L de última geração, o 7,62mm a ser posto de parte pelo 5,56mm.


Assim se apresentam os Paraquedistas e Comandos portugueses que têm composto as Forças Nacionais Destacadas (FND) para a República Centro-Africana (RCA) desde 2017, como parte da MINUSCA, uma operação de paz multidimensional com o objetivo de proteger civis dentro deste país contra o crescente controlo de milícias armadas. A MINUSCA constituiu-se em 2014, enquadrando-se no âmbito das Operações de Manutenção de paz da ONU para promover um ambiente seguro e o restabelecimento da ordem e da paz no território da RCA. As tarefas desta missão incluíam a proteção de civis, a facilitação de iniciativas de assistência humanitária, proteção de pessoal e instalações da ONU e proteção e promoção de direitos humanos naquele país.

O Estado português incumbiu-se de participar nesta missão, normalmente com uma companhia (unidade militar que compreende entre 120-180 praças, sargentos e oficiais), atuando como Quick Reaction Force (QRF), que, no caso específico deste teatro de operações (TO), denomina-se Portuguese Quick Reaction Force (PRTQRF), geralmente formada por 3 pelotões/grupos de combate e respetivos apoios necessários ao bom funcionamento da QRF.

As missões dos contingentes portugueses são claras e simples: operando a partir de Bangui, terão de proteger a população do país, efetuando patrulhas de segurança, conduzir operações de reconhecimento e vigilância, recolher informação, responder de forma reativa a crises e oferecer proteção a outras entidades. São conhecidas as suas ações em vídeos e reportagens feitas nas pequenas vilas e aldeias da RCA, demonstrando os militares em patrulhas, operações de reconhecimento, algumas trocas de tiros, tanto em ambiente urbanizado como no mato.

Os soldados que compõem estas FNDs fazem parte de tropas especiais portuguesas, muito experientes e bem equipadas, ambas parte da Brigada de Reação Rápida do Exército Português: os Paraquedistas são uma das tropas mais bem preparadas de que dispõe o exército. Nas últimas décadas participaram em missões em vários TOs como a Bósnia, Timor-Leste, Afeganistão, Kosovo e agora a RCA. A capacidade rápida de projeção destes militares, que se caracterizam como uma força de infantaria ligeira, dá- lhes a versatilidade de desempenhar missões de diferentes índoles.


Atualmente existem dois batalhões operacionais de infantaria paraquedista, ambos já destacados para a RCA: O 1o Batalhão (1BIPara), sediado em Tomar, no Regimento de Infantaria no 15 (RI15) e o 2o Batalhão (2BIPara), em São Jacinto, no Regimento de Infantaria no10 (RI10). Tanto um como o outro, segundo as tabelas organizacionais, são compostos por cerca de 500-600 militares, no entanto os ativos verdadeiros são muito menores do que isso, sendo formados por uma Companhia de Comando e Apoio (CCA) e três companhias de atiradores. Nas FNDs para a RCA, os efetivos compõem uma companhia de atiradores.

Os Comandos são infantaria ligeira de elite, com vocação e foco em operações de carácter ofensivo convencionais, e atualmente sediados no Regimento de Comandos na Serra da Carregueira onde se situam as 3 companhias de Comandos existentes. Também são tropas que se caracterizam pela sua eficácia, com reconhecimento histórico pela sua presença no Ultramar e em várias missões da NATO, ONU e UE nas últimas décadas. As duas primeiras FNDs para esta missão eram formadas por uma companhia de comandos. Para além destas unidades, a Força Aérea Portuguesa também se encontra presente nestas FNDs com militares do Tactical Air Control Party (TACP) destacados para oferecer apoio às restantes tropas da QRF.


Atualmente já vamos na 12o FND na RCA, composta por 215 militares maioritariamente do 1BIPara comandadas pelo Tenente Coronel (TCor) Nuno Laranjeiro Neto, que partiu em novembro deste ano, substituindo a 11o FND de 180 militares que lá se encontrava desde Abril, comandados pelo TCor Prata Pinto. Há quase 6 anos que Portugal envia as suas tropas para a RCA, sendo 12 as forças nacionais que já foram destacadas para este TO.

Grande parte da população desconhece a missão e presença das nossas forças armadas num país tão longínquo, com os nossos soldados a passarem 6 meses das suas vidas num TO com maior combate do que em outros teatros em que o exército português esteve presente. Não são raras as imagens de combate em aldeias, contra as milícias armadas que aterrorizam a população do país, com trocas de tiros no mato, emboscadas sofridas pelas colunas de viaturas em deslocações, a presença dos nossos soldados ao lado da população, oferecendo proteção e ajudando com apoio humanitário, cuidados médicos e havendo até espaço para momentos de diversão com os locais, que reconhecem a importância da presença dos portugueses ao serviço da ONU e o quanto estes ajudaram a melhorar a vida nas vilas e aldeias da região, expulsando e combatendo as milícias armadas da ex- Séléka.

Estas milícias operavam e dominavam praticamente todo o país, à exceção da capital Bangui e de algumas grandes cidades, sendo maioritariamente ex- membros da antiga Séléka, um grupo de milícias rebeldes que subjugaram a República Centro Africana em 2013. Após 2015, o governo centro-africano não tinha qualquer controlo no país para além da sua capital, permitindo às milícias armadas de controlar várias aldeias e vilas, havendo lordes locais a quem os cidadãos tinham de obedecer e pagar impostos ilegais, ao mesmo tempo lucrando com o comércio ilegal e extorquindo a população.

Para além dos portugueses estarem integrados na MINUSCA, também fazem parte da EUTM RCA (European Union Training Mission) no âmbito da UE, que visa treinar e preparar as forças armadas centro-africanas, ajudando a reformar o seu setor de segurança e defesa nacional para que possam fazer face às dificuldades criadas pelos grupos rebeldes. Recentemente a ONU aprovou, em sede de Conselho de Segurança com 12 votos a favor e 3 abstenções - duas dessas a China e a Rússia - o alargamento da missão durante mais 1 ano, prorrogando a presença da MINUSCA e dos seus 17 420 militares e policiais na RCA até novembro de 2023, mantendo as mesmas missões prioritárias de ajuda humanitária, apoio ao processo de paz e proteção de civis.


Com o trabalho que as nossas FNDs têm vindo a desenvolver e as missões que têm vindo a cumprir, os grupos rebeldes têm sido expulsos das várias zonas do país que controlavam, especialmente no sul do país, em regiões perto de Bambari e Bangassou. A missão na RCA é um exemplo da eficácia das tropas portuguesas no cumprimento das suas missões e é a garantia de que as forças armadas portuguesas são úteis na manutenção da paz em qualquer parte do mundo. Dentro da MINUSCA, as forças portuguesas são aquelas com mais potencial para participar no TO, e têm sido garantes e contribuintes para a estabilização e segurança do país, ajudando o povo da República Centro- Africana. É importante darmos valor aos nossos soldados e militares que tanto sacrificam em prol de uma missão nobre como a de proteger não só os portugueses mas, como vemos nas missões no estrangeiro, todas as pessoas que necessitam da proteção das Forças Armadas portuguesas para o seu bem-estar.