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Desde a anexação ilegal da Crimeia e de Sebastopol por parte da Rússia, em 2014, e o não cumprimento dos acordos de Minsk que a União Europeia (UE) tem imposto, progressivamente, medidas restritivas contra este país. A 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu militarmente a Ucrânia. A partir dessa data, as sanções europeias foram agravadas, bem como adotadas por outros organismos e identidades internacionais, com o intuito de enfraquecer a economia russa, os seus mercados e as suas tecnologias, de forma a não conseguirem sustentar a guerra.

Quais as medidas adotadas?

Para que as sanções produzissem efeitos amplamente visíveis, era necessário que o espetro de parceiros envolvidos fosse amplo. Assim, a União Europeia reuniu-se com alguns dos seus parceiros (por exemplo, os Estados Unidos), e com os países do G7, com o propósito de desenhar um plano de medidas para travar o país agressor. Note-se que todas estas sanções estão de acordo com o direito internacional e respeitam a liberdade e os direitos fundamentais humanos.

As medidas adotadas complementam e aprofundam as já existentes desde 2014. Os seus alvos não são apenas instituições, bancos e empresas (incluindo as do setor militar e de defesa), mas também personalidades individuais como o presidente russo, Vladimir Putin, o ministro dos negócios estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, entre outros. É de notar que foram igualmente adotadas sanções contra a Bielorrússia pelo seu envolvimento na invasão da Ucrânia, e contra o Irão, pelo fabrico e fornecimento de drones.

Relativamente a estas personalidades e às entidades responsáveis pela invasão, ou por atos nela envolvidos, foi-lhes proibida a possibilidade de viajar e circular pelo território da UE. Para além desta impossibilidade, a esta lista de pessoas e instituições responsáveis foi igualmente impingido o congelamento dos seus bens, isto é, todas as contas que se encontravam detidas nos bancos da UE por parte destes, foram congeladas.

Por outro lado, o comércio russo foi igualmente afetado. A UE impôs um conjunto de restrições no que diz respeito às importações e às exportações da Rússia. Isto significa que a UE deixou de poder consumir determinados produtos produzidos pela Rússia, e os que podia vender tornaram-se, de igual modo, limitados. É de notar que, de forma a não prejudicar a população russa, são excluídos desta lista produtos relacionados com a saúde, a farmacêutica, a alimentação e a agricultura.

Dentro dos bens que não podem ser exportados da UE para a Rússia incluem-se certos tipos de tecnologias, de transportes, bens e tecnologias específicos para a refinação de petróleo, equipamentos, tecnologias e serviços da indústria energética, da indústria espacial, de radiocomunicações e de navegação marítima. Estão, também, incluídos artigos de luxo e material de guerra, como armas de fogo civis, entre outros.

No que se refere aos bens que não podem ser importados, a lista engloba o petróleo bruto (a partir de dezembro de 2022), produtos petrolíferos refinados (a partir de 2023), carvão e outros combustíveis fósseis sólidos, aço, entre outros. Em termos percentuais, 49% das exportações e 58% das importações são alvo de sanções, em comparação com 2021. Note-se que, em relação ao petróleo bruto e aos produtos petrolíferos, foram ainda estabelecidas outras medidas, como a proibição de importação ou transferência destes através do mar, bem como o estabelecimento do limite máximo do preço do petróleo, de forma a que os aumentos de preços provocados pelas restrições aplicadas no mercado, não favoreçam as receitas russas.

As sanções aplicam-se igualmente a alguns serviços, tendo-se tornado proibido, desde junho de 2022, prestar direta ou indiretamente serviços de contabilidade, auditoria (incluindo a revisão oficial de contas), escrita e consultoria fiscal, bem como de consultoria de empresas e de gestão ou de relações públicas ao Governo da Rússia. Estes serviços passaram a abranger os de consultoria informática, aconselhamento jurídico, arquitetura e engenharia, em outubro de 2022, a fim de exercer ainda mais pressão sobre a capacidade industrial russa.

Em relação ao sistema bancário russo, foi proibido o acesso ao sistema SWIFT - sistema de comunicação que interliga os bancos de todo o mundo para transações e pagamentos financeiros internacionais rápidos e seguros - a dez bancos russos e quatro bielorrussos. Isto, resumidamente, fará com que os bancos abrangidos não possam obter moeda estrangeira, nem transferir ativos para o estrangeiro, pois sem este serviço estas transações tornar-se-iam bastante dispendiosas. Ainda dentro dos Bancos, a UE proibiu todas as transações com o Banco Central Nacional da Rússia, em matéria de gestão de reservas e ativos do Banco Central Russo, e em dezembro de 2022, a UE incluiu o Banco Russo de Desenvolvimento Regional.

Com o intuito da Rússia não conseguir contornar as sanções estabelecidas pela União Europeia, foi proibida a venda, o fornecimento, a transferência e a exportação para a Rússia de notas euro, de forma a limitar-lhes o acesso à moeda europeia e evitar possíveis transações.

No que diz respeito ao transporte, o rodoviário, o setor da aviação e o transporte marítimo também sofreram alterações. Quanto ao primeiro, foi proibida a entrada de operadores de transportes rodoviários russos e bielorrussos no espaço da UE, incluindo para mercadorias em trânsito. Dentro do segundo, foram recusados os acessos aos aeroportos da UE de todos os tipos de transportadoras aéreas russas e proibiu-as de sobrevoar o espaço aéreo desta organização. Já o terceiro, implica medidas como o fecho dos portos da UE a toda a frota mercante russa. Note-se que todas estas medidas nos vários setores têm exceções.

Por fim, desde o início do conflito armado que a Rússia tem procurado, estrategicamente, difundir propaganda e desinformar a sua população, de forma a desestabilizar os seus países vizinhos. Assim, foram impostas sanções aos meios de comunicação social, sempre de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais. Para isto, a UE suspendeu as atividades e as licenças de radiodifusão de vários órgãos de desinformação apoiados pelo Kremlin, como por exemplo, Rossiya 1, Sputnik e as respetivas filiais, entre outros.

Um ano de guerra: impacto das sanções

Apesar destas sanções terem demonstrado a capacidade de projeção de poder das democracias liberais, a previsão do impacto que as sanções provocariam, no espaço de um ano, era mais positiva do que a presente realidade. As estimativas iniciais previam que a queda do Produto Interno Russo (PIB) fosse, no mínimo, de dois dígitos. Todavia, de acordo com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) estima-se que, em 2022, o PIB da Rússia tenha caído por volta de 2,2% apenas. Esta incongruência pode ter tido diversas origens.

Primeiramente, a Rússia é um dos três maiores produtores mundiais de petróleo e de gás natural do mundo, ao lado da Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Segundo os dados da Eurostat, em 2020, a Rússia fornecia cerca de 25% e mais de 40% de todo o gás consumido pela União Europeia. Sendo a Rússia o seu maior exportador de energia, a UE, de forma a não comprometer as suas necessidades, sujeitou apenas 8% das exportações de energia às sanções. Além disso, o aumento nos preços energéticos verificado levou a que as receitas de petróleo e gás representassem 45% do orçamento do governo russo. Sublinha-se que as sanções sobre o petróleo foram adotadas, maioritariamente, em 2023.

Xi Jinping com Vladimir Putin em Moscovo (2023). Fotografia: Kremlin.ru, via Wikimedia Commons

Em segundo lugar, as sanções recebidas em 2014 alarmaram o presidente Vladimir Putin para um possível confronto económico com o Ocidente. Devidamente preparada, a Rússia não só adotou estratégias antes da invasão, por exemplo, acumulando reservas cambiais, como também adotou rápidas medidas após o agravamento das sanções. De forma a não prejudicar o seu país e de não aumentar as taxas de pobreza, a política económica russa preocupou-se em fornecer um apoio equivalente a 3% do PIB na forma de benefícios sociais, isenções fiscais, subsídios para empréstimos e aumento do salário mínimo. Aumentou, igualmente, o consumo, para compensar a grande queda no investimento e no consumo privado. Adicionalmente, a rápida intervenção do Banco Central da Rússia estabilizou a taxa de câmbio e forneceu liquidez ao sistema bancário. Desta forma, conseguiu-se evitar que a crise económica se transformasse numa crise financeira.

Por último, Moscovo conseguiu ainda redirecionar as suas exportações de petróleo para a Ásia, tornando, como seus principais compradores, a China, a Índia e a Turquia. Estes países tiveram a possibilidade de comprá-lo a preços bastante inferiores, tendo-se então aumentado o fluxo de petróleo russo transportado pelo mar. Note-se que, no entanto, não se conseguiu substituir completamente as quantidades vendidas para a UE.

Em suma, todos estes pontos permitiram à Rússia atenuar o impacto das sanções.

O que esperar em 2023?

Toda a presente situação vincou a dependência da UE em relação aos combustíveis fósseis. Assim, potenciou uma transição energética não só nos países pertencentes a esta União, como também noutras regiões do mundo. Assim, o modelo económico russo é dependente de uma indústria que progressivamente se tornará extinta.

A previsão para 2023 é que, devido a essas fontes alternativas encontradas e às políticas adotadas neste presente ano (no que diz respeito ao petróleo, por exemplo), os preços energéticos sejam inferiores aos do ano passado, o que fará com que quantidades menores sejam vendidas a preços mais baixos e, consequentemente, as receitas russas diminuam.

Por fim, as políticas sancionatórias adotadas pela União Europeia e pelos EUA não irão ser facilmente revertidas, colocando a Rússia numa situação frágil.

Apesar de após um ano de guerra as previsões não terem coincidido com a realidade, e Vladimir Putin ter desvalorizado continuamente as consequências das sanções, espera-se que o impacto deste ano seja mais negativo para a economia russa. O próprio presidente russo confessou, numa reunião com o Governo transmitida pela televisão, que as “as sanções impostas à economia russa a médio prazo podem realmente ter um impacto negativo na mesma”.