O Jogo dos Democratas
Nota: Este artigo foi escrito antes de Biden anunciar a sua recandidatura no dia 10 de abril.
Passaram já 3 anos desde a eleição presidencial de 2020 e conseguimos nesta altura analisar o trabalho da Administração Biden. O atual presidente conseguiu retirar Donald Trump da Casa Branca numa eleição em que agregou todos os que vêem em Trump um movimento populista perigoso e, unindo essas pessoas, conseguiu derrotar o candidato Republicano. Em 2024 teremos novamente eleições presidenciais, e começam a surgir previsões de quem serão os candidatos de ambos os partidos à Casa Branca.
Penso que será importante ter em conta a avaliação que os americanos fazem da administração Biden. A sua presidência tem demonstrado enorme sucesso e solidifica-se como provavelmente a melhor presidência dos últimos anos dos EUA em termos de agenda legislativa e prioridades alcançadas. Biden conseguiu, em 2020, porque era necessário para derrotar Trump, posicionar-se no centro do Partido Democrata e agregar todas as facções de modo a se unirem para ganhar a eleição. Nesse sentido, o trabalho de Joe Biden foi bem cumprido, mas não colheu muitos frutos desse sucesso porque a sua popularidade não é a melhor: as sondagens dão um approval rating ao atual presidente de cerca de 42%, e avaliando a média das sondagens este valor subirá para 43%. Podemos pensar que é um rating negativo, tendo em conta que Donald Trump, Gerald Ford e Jimmy Carter, todos presidentes que perderam a reeleição, nesta altura da sua presidência tinham à volta deste rating. No entanto, Bill Clinton e Ronald Reagan também teriam um approval rating semelhante e foram ambos reeleitos. Há que ter em conta muitos fatores para fazer esta análise (é importante ter em conta que sondagens são como “fotografias do momento”, é preciso saber avaliar tendências e usar médias para interpretar os resultados de cada sondagem). Dentro do universo de pessoas que votaram em Biden em 2020, o seu approval rating é cerca de 80%, segundo dados do The Economist. No entanto, apenas 39% dessas pessoas consideram que Biden deve procurar a reeleição. As eleições para o Congresso em novembro do ano passado significaram uma vitória para os Democratas, que apesar de terem perdido a Câmara por uma margem mínima (o que foi um underachievement brutal para os Republicanos), conseguiram manter o Senado e obtiveram um ganho líquido de mais 2 governadores estaduais. O Partido Republicano falhou os objetivos que se esperava que alcançassem e os democratas conseguiram sair por cima dessas eleições.
Joe Biden não é uma estrela política, eloquente, bom orador ou sequer carismático. Biden é um “doer”, o estilo de político que “gets things done”, a sua administração viu a melhor evolução de emprego na história dos EUA, teve uma série de pacotes legislativos interessantes como o American Rescue Plan, of Inflation Reduction Act, o seu plano de infra-estruturas, entre outros. Biden será encarado como o único candidato democrata capaz de enfrentar Trump, sendo que a sua administração certamente não vê em Kamala Harris o potencial para concretizar esse trabalho. O sucesso de Biden tem sido evidente: a sua relação com a NATO, a agenda legislativa, a postura contra a Rússia em defesa da Ucrânia. No entanto, essa não é a imagem que passa à população americana. Deixando de fora o atual presidente, que nomes é que o Partido Democrata pode apresentar como capazes de fazer frente a candidatos republicanos de peso?
As mais óbvias serão provavelmente candidatos que já concorreram a eleições presidenciais, como Kamala Harris e Pete Buttigieg, sendo que Buttigieg é das melhores opções que os Democratas têm, a meu ver. Quanto a alguns candidatos mais à esquerda dentro do partido, tenho dúvidas de que Bernie Sanders se volte a candidatar e Elizabeth Warren é a principal cara da facção mais progressista dos democratas. Alguns democratas provenientes de estados muito republicanos podem ser boas opções, pois conseguem ter resultados apesar do clima desfavorável no seu estado: Andy Beshear do Kentucky ou John Bel Edwards do Louisiana, provavelmente não sairiam vitoriosos das primárias democratas mas são nomes a ter em conta e poderiam fazer um bom trabalho. No entanto, um nome absolutamente sonante que tem superado expectativas (e tem uma popularidade maior do que Biden no seu estado) é Gretchen Whitmer, governadora do Michigan, que é um nome que vale a pena acompanhar.
Olhando para senadores americanos, vemos alguns nomes como Amy Klobuchar, Michael Bennet, Tim Kaine, Mark Warner ou John Hickenlooper. Algumas opções de renome também seriam Raphael Warnock ou Catherine Cortez Masto. Mas a realidade é que nenhum destes parece ter um reconhecimento capaz de ganhar o ticket democrata, excetuando talvez Kamala Harris, Pete Buttigieg ou até Gretchen Whitmer.
Partilho da opinião que Kamala Harris é uma candidata pouco desejável por me parecer politicamente pouco habilidosa, tendo em conta que a sua candidatura em 2020 foi horrível. É quase certo que os democratas procuram alguém com algum reconhecimento, sendo que desde 2016 que os seus candidatos foram nomes de peso, Hillary Clinton e Joe Biden. No entanto temos exemplos de políticos pouco conhecidos que chegaram longe nas eleições: Barack Obama em 2004 era virtualmente desconhecido pela maioria dos americanos e em 4 anos tornou-se num grande candidato presidencial, Mitt Romney foi também um exemplo isso, em certas circunstâncias a falta de “name recognition” pode jogar a favor do candidato.
Desviando as atenções para o outro lado da bancada, as opções republicanas são mais curtas. Tendo em conta que o Partido Republicano é neste momento dominado maioritariamente por forças de extrema direita, populistas, quase chauvinistas, faltam poucas opções moderadas para a nomeação: alguns governadores em estados tipicamente azuis podem ser opções, como Larry Hogan ou Charley Baker, mas a escolha provavelmente será feita entre dois nomes muito falados: Donald Trump e Ron DeSantis. Neste momento, o favorito aparenta ser DeSantis, mas seria melhor esperar pela avaliação de mais sondagens.
Fica-me a parecer que em Portugal tentam passar muito a imagem de que DeSantis é um moderado, quando em alguns aspetos, o governador da Flórida parece-me ser um candidato bem mais extremista e perigoso do que Donald Trump. O exemplo mais notável será a sua postura com a comunidade LGBT, com quem DeSantis aparenta ter um ódio de tal modo ideológico que chega a avançar com um discurso e medidas cada vez mais discriminatórias e anti-LGBT, marginalizando a comunidade. É um político que se sente muito condicionado pelo ambiente mediático da direita americana, cada vez mais radicalizada, e cujo posicionamento político extremista me parece mais perigoso do que o de Trump por ser mais ideológico e convicto do que o do antigo presidente. O seu plano de governo e discurso responde a um eleitorado muito mais à direita de Donald Trump, que não me parece tão ideológico, mas mais populista e com posições que variam consoante o que lhe parecer melhor ou lhe der maior popularidade e ganho político. Tendo isto em conta, outros nomes republicanos capazes de disputar primárias seriam Ted Cruz, Marco Rubio e Nikki Haley, que recentemente anunciou a sua candidatura à Casa Branca.
Vendo o clima radicalizado em que está o Partido Republicano, Biden surgiu como um candidato que conseguiu derrotar as forças mais extremadas da direita americana. Durante a sua eleição, foi muitas vezes encarado como uma espécie de “cavalo de Tróia” para o perigoso socialismo/comunismo que assombra as mentes do eleitorado de direita americano, descreviam-no como um socialista radical de quase extrema esquerda. Estas designações obviamente não batem certo com uma análise séria e realista das posições de Biden e da sua postura governativa. A sua recandidatura é a opção mais realista, tendo em conta que o seu mandato está a ser bastante positivo. Mesmo que a percepção da opinião pública não seja essa, a melhor altura para Biden provar que essas percepções estão erradas é numa campanha, onde poderá promover-se e à sua agenda. É um democrata que consegue agregar e representar a grande maioria dos americanos, e essa é a sua grande arma para combater a direita extremada republicana.
O fator da idade de Biden é algo que também se deve ter em conta. A narrativa de que Biden está a ficar “senil” não me parece séria e as tentativas de pegar em discursos dele com algumas gafes para o descredibilizar são bastante desonestas, tendo em conta que ele nunca foi um bom orador. As qualidades dele são demonstradas nos resultados alcançados pela sua presidência. Dito isto, Trump não é muito mais novo do que Biden, o senador Chuck Grassley está quase na casa dos 90 e ainda trabalha e funciona bem no Senado, Reagan no final da sua presidência tinha 77 anos e parecia-me bastante mais deteriorado do que Biden está agora. Mas considero que este fator mesmo assim será relevante para determinar se ele se deve candidatar ou não. A conclusão que retiro é que provavelmente será esse o caso, mas que não devia: Biden obviamente é um nome seguro para garantir a vitória nas eleições, mas penso que se tivesse “nomeado” algum candidato democrata em 2020 como seu escolhido como Amy Klobuchar ou Pete Buttigieg, estes teriam tido resultados tão bons na sua presidência quanto ele, apesar da vitória ser menos garantida. A sua escolha para vice-presidente parece que também não se irá alterar, ficando Kamala Harris com o seu lugar garantido, apesar da sua pobre capacidade política e incapacidade de se definir politicamente.
Os candidatos republicanos estão atualmente tão extremados que parece-me que mesmo que o candidato democrata seja muito mau, as eleições serão sempre disputadas a ferro. Ainda temos de esperar por confirmações de ambos os lados, mas uma coisa parece-me certa: Biden já ganhou a Trump uma vez e acredito plenamente que ganhará novamente se o 45º presidente for a escolha republicana. Mas temo que a sua vitória não seja tão certa contra Ron DeSantis.