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Reza a lenda que a Jesus de Nazaré, filho de José e Maria, foi concedida a dádiva da ressurreição ao terceiro dia após a sua morte na cruz. Este representante de Deus na terra e figura central do catolicismo sacrificou-se para poder redimir a humanidade de todos os seus pecados e iluminar-lhes o caminho da salvação e da vida eterna. Atenção, caro leitor, não pretendo, de todo, dar um sermão bíblico. Pretendo, somente, colocar a seguinte questão: Quem será o próximo herói messiânico que se sacrificará para libertar dos seus pecados as almas impuras que minam a Igreja Católica?

Apesar de existirem certos preceitos na doutrina Católica que carecem de desenvolvimento e, por essa razão, dão abertura a uma interpretação mais subjetiva, esta assenta em verdades de fé, nomeadamente os dez mandamentos.


Destaco um que é cumprido exemplarmente por demasiados representantes da Igreja Católica: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus”. Cumprem-no especialmente bem quando evocam o nome de Deus para cometer atrocidades, deturpando o significado de servir a Deus, prometendo o amor e orgulho de Deus aos cumpridores e um lugar no inferno aos que ousarem pronunciar-se sobre o sucedido.

É precisamente neste preceito que reside o perigo. É na consciencialização do poder de um simples nome, o de Jeová, a quem os indivíduos católicos estão condenados a amar e servir, por terem fé na recompensa da vida eterna no Reino de Deus. É no consequente abuso deste poder e influência que não só este nome detém, mas também a própria instituição e os seus representantes. Sabendo nós que Deus nos orienta na fé e no amor, amarás Deus e o teu próximo, qual a credibilidade dos padres, bispos e arcebispos para pregarem a palavra de Deus depois do sucedido? Decerto que nem todos os comissários de Deus cometem este tipo de injúrias, mas são levantadas questões maiores. A ‘podridão’ da Igreja Católica foi exposta.

Qual a moral que esta tem para pregar sobre o pecado, para caracterizar escolhas pessoais como condenáveis por Deus, ou para ordenar aos seus súbditos que rezem três ave-marias para que se libertem dos seus pecados? O que é que os aproxima mais a Deus do que aos restantes discípulos? Somos todos seres pecantes. O que é sequer o pecado?

A própria ideia de que existem sete pecados mortais que, se cometidos e não confessados com o devido arrependimento, nos dão passagem direta para o inferno é inconcebível. O homem não é um ser perfeito, é um ser que está em constante melhoramento porque a sua interação com os outros assim o exige. Não é plausível a ideia de o homem estar a cometer um pecado mortal ao sentir inveja, preguiça, ou até mesmo, imagine-se, gula, e que deva ir confessar-se imediatamente para que não arda em chamas. Isso pressupunha, ainda, uma consciência do “eu” que nem todos possuem. Não gostava de, no final da minha vida, ser surpreendida pela receção de Satanás devido a uma mera falha de autoanálise.

Ressuscitem o génio literário José de Saramago que ele perguntar-vos-á “O que é isso, o pecado, pá?” e afirmou que “A partir do momento em que se inventa o pecado, o inventor passa a dispor de um instrumento de domínio sobre o outro tremendo”.


Não seria, porventura, mais vantajoso libertarmo-nos da ideia de pecado que nos amarra e que é utilizada sobre nós tiranicamente? Para Nietzsche “Deus está morto e nós o matamos”. Este não pretende insinuar que Deus deixou de existir, mas pretendia antes questionar se ainda faria sentido basear as nossas atitudes na fé em Deus, propondo que nos livrássemos das amarras dos valores que nos são impostos.

Não quero, com isto, incentivar à aniquilação da fé e do amor a Deus, mas antes incentivar à inquirição sobre a moral religiosa. A verdade é que a sociedade evolui e a Igreja não tem acompanhado essa evolução, fechando- se nos seus dogmas. O mais alto representante da Igreja Católica acompanha esta evolução, com distinção ao, por exemplo, condenar a injustiça nos países que criminalizam a homossexualidade e relembrar que Deus ama e acompanha todos os Homens. O Papa Francisco enfatiza a imagem de um Deus bondoso e compassivo, desconstruindo, ao mesmo tempo, a ideia de um Deus que julga e condena os demais pelas suas escolhas individuais.

Outro mal da Igreja, que chega a constituir um pecado, é a falta de compaixão pelas vítimas e pelos restantes católicos, perfeitamente ilustrada através das declarações feitas por José Ornelas, que diz não ser uma hipótese, para já, afastar os padres acusados, tendo em conta que “tirar um padre do ministério é uma coisa grave, enquanto não for minimamente provado, a pessoa mantém a sua credibilidade”. Estimado Senhor Bispo, não será ainda mais grave deixar que “possíveis” abusadores, mais certamente abusadores na definição mais pura da palavra, continuem a exercer as suas funções sob o risco de incorrerem novamente em crimes? Manuel Clemente é ainda mais arrojado e decide cometer o pecado da mentira ao informar que somente o Vaticano tem o poder de suspender padres. Estará a Igreja realmente interessada em investigar estes casos e fazer justiça pelas vítimas ou continuará a proteger-se fechando os olhos aos abusos?


O cúmulo da cegueira ideológica é atingido quando o Bispo de Beja tenta guiar-nos em direção à luz, relembrando-nos que “todos somos pecadores” e que “na Igreja Católica existe o perdão”, por isso, os padres que se demonstrem arrependidos devem ser perdoados. E o conceito de Justiça, não consta na doutrina da Igreja Católica? Uma sociedade guiada pela ideia de que basta uma ida ao confessionário para atingir a redenção é ingovernável.

Ao contrário do que os representantes da Igreja fazem transparecer, o perdão não é um sinónimo de ignorância nem de tolerância. Aliás, “O Senhor reconheceu que a maldade dos homens era grande na terra, que todos os seus pensamentos e desejos tendiam sempre e unicamente para o mal. O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem sobre a terra e o seu coração sofreu amargamente”, como é mencionado no capítulo VI do Génesis. Após constatar a impureza das almas que povoavam a Terra, Jeová castigou- os com quarenta dias e quarenta noites de dilúvio que destruíram toda a civilização.

Posto isto, creio que Deus Nosso Senhor será a única entidade apta para condenar os seus súbditos, tendo em conta a recusa da Igreja em admitir que existe um grave problema de corrupção moral por detrás das suas portas. Aguardemos, portanto, ansiosamente, que o Senhor se arrependa de ter criado estes seus representantes, que tão mal o representam, e decida exterminá-los da Terra. Se for uma prospetiva demasiadamente ambiciosa, contentar- me-ei com o afastamento destes da Igreja Católica, porque nem todo o pecado tem o seu perdão.