No mês passado chegou ao fim a história de Jacinda Ardern enquanto primeira- ministra da Nova Zelândia. Numa despedida emocional, a chefe do governo neozelandês demitiu-se do cargo afirmando que não procuraria a reeleição enquanto líder do Partido Trabalhista. Poucos previram esta saída de Ardern, numa altura especialmente má para o Partido Trabalhista e para o Governo que lideram: a inflação alta, uma economia incerta e a crise da falta de habitação acessível contribuíram para uma atmosfera política indesejável. Chris Hipkins foi eleito novo líder do Partido Trabalhista e assumiu o cargo de PM a 9 meses das eleições legislativas, queterão lugar em outubro, herdando a difícil tarefa de concluir o que o governo de Ardern deixou por cumprir.


Com 28 anos foi eleita deputada para o parlamento neozelandês, chegou a deputy leader do partido em 2017 (uma espécie de vice-presidente do Partido Trabalhista) e em agosto do mesmo ano foi eleita líder dos Trabalhistas. Em outubro desse mesmo ano, torna-se líder de um governo minoritário de centro esquerda com apoio de outros partidos, tendo exercido o cargo de primeira- ministra desde então.

O seu mandato foi desde logo marcado por um evento trágico, os ataques terroristas islamofóbicos em Christchurch que vitimaram 51 pessoas, onde Ardern demonstrou um enorme apoio ao seu país e aos neozelandeses face ao drama que enfrentavam. A sua personalidade e maneira de lidar com o evento conferiu-lhe grande projeção mundial. Mas o seu maior holofote foi a ação do seu governo face à pandemia da COVID-19. Quando a pandemia surge, Ardern torna-se numa cara decisiva da política pública de combate à COVID no seu país, O mundo debatia-se, então, com questões sobre a aplicação dos confinamentos; se deveriam ser seguidas as orientações de saúde pública dadas pelos especialistas em detrimento do estado da economia nacional.

A maneira como Ardern seguiu e aplicou os conselhos dos especialistas em saúde pública tornaram a primeira-ministra neozelandesa na figura de maior destaque a nível internacional no tocante a este tipo de resposta à pandemia, granjeando- lhe uma popularidade mundial e nacional tão excecional, que em 2020 alcança a maioria no parlamento neozelandês, um feito algo extraordinário num sistema de representação proporcional onde os partidos mais pequenos conseguem garantir fatias consideráveis dos votos. Todavia, a popularidade de Ardern, tanto internacional como nacional, tem vindo a decrescer, fruto de um panorama económico que tem vindo a sofrer os choques do pós pandemia e da sua priorização muito rigorosa em seguir as orientações de saúde pública e fechar quase totalmente a economia.

No entanto, não há que negar que os 5 anos de mandato de Ardern foram notáveis e atingiu um reconhecimento global que muito provavelmente nunca nenhum outro primeiro-ministro do seu país teve. Isto leva-me a avaliar aquilo que fez com que Ardern fosse uma boa primeira-ministra e fosse tão acarinhada. O facto de ser uma mulher jovem, que falava para as pessoas, possuidora de um discurso empático e autêntico, demonstrando muita honestidade, respeito e uma efetiva conexão com os neozelandeses.


O facto de ter sido mãe enquanto exercia o cargo também ajuda a explicar o seu caráter mais emocional e genuíno, e a verdade é que as pessoas sentem um certo encanto por este tipo de história. Importa também deixar a nota que Ardern sobe ao poder numa altura em que o Ocidente é confrontado com o surgimento de movimentos populistas em todo o mundo, um panorama personificado por Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil ou até Boris Johnson no Reino Unido (um tipo de populismo bastante diferente dos anteriores). A primeira-ministra trabalhista foi vista como um antídoto aos populistas, e grande parte da sua reputação internacional pode ser retirada daí.

Apesar de tudo isto, Jacinda Ardern abandona o cargo porque, segundo a própria, está esgotada pelo esforço físico e mental de ser chefe de governo e ao mesmo tempo tentar manter um equilíbrio entre esse dever e a sua família. Quer sobretudo estar mais presente na vida da sua filha de 4 anos, Neve. A importância que dá à sua família é um traço inerente ao seu ser enquanto política, e por isso decidiu, coerentemente, que não continuaria no cargo para poder desfrutardo seu tempo com a família.

Mas não é só por estes motivos que abandona o executivo. A realidade é que a popularidade da líder do Partido Trabalhista tem baixado muito ultimamente: em dezembro do ano passado, menos de 30% dos neozelandeses atribuíam um rating positivo a Ardern.

Ora, isto torna-se num ponto relevante quando sabemos que o Partido Trabalhista irá a votos para o parlamento em outubro próximo, numas eleições onde a sua vitória não parece estar no horizonte. Assim sendo, embora a sua reputação internacional possa ser mais positiva, a realidade é que as expectativas políticas nacionais de Ardern estão a fraquejar quando confrontada com as situações difíceis da economia do país e com os resultados fracos que são esperados do seu partido nas próximas eleições. Se contarmos, então, com o esgotamento físico e mental da primeira-ministra, e a vontade de dedicar mais tempo à sua filha, compreende-se a renúncia ao cargo.

Aberta a corrida à sua sucessão, o Partido Trabalhista escolheu Chris Hipkins como seu novo líder, tornando-se, consequentemente, no novo primeiro- ministro da Nova Zelândia. Hipkins é considerado um grande aliado de Ardern e do seu governo: “She has been one of New Zealand ́s great prime ministers”. Foi o ministro responsável pela resposta à COVID-19 da administração de Ardern, estando, portanto, associado a políticas da primeira-ministra que a tornaram um pouco impopular.


A administração de Hipkins não irá diferir muito da da sua antecessora, mas no seu estilo e persona política é diferente de Ardern: um político de carreira mais low key, respeitado pelos seus pares e pelo seu trabalho enquanto ministro e pela eficaz administração dos vários cargos que já exerceu. Não é uma super-estrela política como Ardern, mas a mudança também parece necessária numa altura em que os neozelandeses começam a preocupar-se mais com o dinheiro no bolso ao final do mês com inflação alta e uma economia incerta, do que propriamente com o orgulho na reputação internacional de Ardern.

Que desafios enfrenta o novo primeiro- ministro? Poderá ele dar vida ao Labour nas eleições de outubro? Normalmente, os novos líderes representam novos começos e uma reativação da força do partido. Talvez a economia do país melhore seguindo as tendências das economias asiáticas. Mas, honestamente, Hipkins precisará sobretudo de sorte, porque o partido de centro-direita, o Partido Nacional, está a ganhar força e tem estado, com bastante consistência, à frente do Partido Trabalhista nas sondagens. Portanto, a fortuna irá ser decisiva para o sucesso de Chris Hipkins.

Os políticos costumam ter egos grandes, adoram os holofotes e a atenção dada a qualquer um dos seus feitos, muitas vezes esperançosos que as sondagens melhorem e se transformem em resultados eleitorais para continuar no poder. Neste sentido, Ardern é uma política diferente, incomum, que quando assumiu a liderança do seu partido em 2017 fê-lo perante muita incerteza quanto à sua capacidade de liderança. Sempre se demonstrou como uma grande defensora da importância da família e do equilíbrio entre o trabalho e a sua vida pessoal.

Se o seu partido tiver um resultado mau nas eleições (e restantes sondagens), poderá ser vista como uma desistente que abandonou o seu navio num momento particularmente difícil para não carregar o fardo de perder as próximas eleições, passando a batata quente para as mãos de Hipkins, atirado às feras numa eleição talvez impossível de ganhar.

No entanto, a maneira empática, verdadeira e autêntica como falava para o seu povo era uma notável característica da sua qualidade de liderança que a distingue dos demais, e o mundo certamente reconheceu-lhe muitas qualidades na sua governação. Podemos não ter muitas lições a retirar da sua saída, mas sem dúvida que da sua governação ficam algumas ilações importantes de reter.