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O que é a Morte Assistida?

A morte assistida é um procedimento que leva à morte de um doente por sua vontade, através da eutanásia ou do suicídio assistido.

A palavra eutanásia tem origem grega. O prefixo “eu” significa “boa” e o sufixo, “thanathos”, significa morte. Assim, o termo traduz-se em “boa morte” e remete para o ato de tirar a vida a alguém por solicitação, de modo a pôr fim ao seu sofrimento. Trata-se do ato de um profissional de saúde, que num enquadramento legal, acolhe o pedido expresso do doente e administra uma substância que provoca a morte.

O suicídio assistido difere do conceito anterior, é o próprio doente que , por seu desejo, põe fim à sua vida, consumindo fármacos letais, com o auxílio de um terceiro, geralmente um profissional de saúde.


Morte medicamente assistida em Portugal

Em Portugal, a morte assistida não está definida como um crime nesses termos. Contudo, a punição está prevista em três artigos do Código Penal, nos artigos 133o, 134o e 135o que dizem respeito a homicídio privilegiado (art. 133o); homicídio a pedido da vítima (art. 134) e incitamento ou auxílio ao suicídio (art. 135o).

Com o objetivo de despenalizar quem pratica a morte assistida, têm existido vários projetos-lei e alterações ao longo do tempo, tendo voltado constantemente ao Parlamento.

Evolução do debate em Portugal

O debate no parlamento sobre a despenalização da morte assistida não é recente, iniciando-se em 2016, com a entrega de uma petição a favor deste processo na Assembleia da República. Entre 2017 e início de 2018, surgiram os primeiros “esboços” sobre este tema no parlamento. Os primeiros quatro projetos-lei, apresentados pelo PS, Bloco de Esquerda, PAN e PEV (este último que, na altura, ainda tinha representação parlamentar) acabaram por ser rejeitados na generalidade, por não terem alcançado os 116 votos necessários.

Após as eleições legislativas de 2019, os mesmos partidos lançaram novas iniciativas legislativas. Estas propostas já contavam também com a participação da Iniciativa Liberal, eleita nas referidas eleições.

Em 2020, os deputados aprovaram, pela primeira vez, na generalidade, os diplomas sobre o tema. Em janeiro de 2021 deu-se a votação final global e o texto de substituição foi aprovado por maioria.

O diploma do Parlamento foi então enviado para o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa considerou que os critérios para a prática legal da eutanásia e os conceitos de - “ sofrimento intolerável” e “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” - estabelecidos no artigo 2o deste texto, eram “altamente indeterminados”. Por isso, enviou o diploma para o Tribunal Constitucional para a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.

O Tribunal Constitucional acabou por dar razão ao chefe de Estado português e considerou a lei inconstitucional por apresentar uma “insuficiente densidade normativa”. Com esta consideração, o Presidente da República vetou o diploma, tendo sido o primeiro veto relativo a este assunto.


Para superar este aspecto alegado pelo Tribunal Constitucional, os mesmos partidos acordaram um novo “texto base”. As alterações incluíam um novo artigo inicial para clarificar alguns conceitos, entre os quais, o de “lesão definitiva”.

O novo decreto foi aprovado no Parlamento com maioria e a lei foi enviada novamente para o Presidente da República. Este apontou que o legislador deve escolher entre “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal” e sublinhou que se o processo não for apenas para aqueles casos com doenças terminais e a permissão da morte assistida for estendida a outras situações, isso poderá não corresponder ao “sentimento dominante da sociedade portuguesa”. Assim, a lei foi devolvida ao parlamento, mas não foi promulgada. Foi a segunda vez que o decreto foi vetado.

Com o chumbo do Orçamento de Estado para 2022, o Parlamento foi dissolvido em novembro de 2021 e os novos projetos relativos a este tema só começaram a ser desenvolvidos após as eleições legislativas antecipadas para janeiro de 2022. As novas propostas já não contavam com a participação do PEV, dada a perda da representação parlamentar.


As propostas do PS, BE, PAN e IL foram aprovadas na Assembleia da República a 9 de junho deste ano. O Chega lançou um projeto de resolução, pedindo a realização de um referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida. Este acabou por ser rejeitado com 71 votos a favor, 147 contra e 2 abstenções.

O texto de substituição foi concluído em outubro no grupo de trabalho da morte medicamente assistida e aprovado na especialidade no dia 7 de dezembro, tendo seguido para votação final global dois dias a seguir.

No que consiste o texto de substituição?

Este texto que se encontra agora em cima da mesa já não exige que se trate apenas de uma doença fatal para que este processo não seja considerado crime. Este estabelece que a “morte medicamente assistida não punível” ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. Esta decisão pode ser concretizada através do suicídio assistido ou da eutanásia. O processo pode ser interrompido se, durante o mesmo, o requerente ficar inconsciente.

O tempo para a realização do procedimento também é estabelecido neste texto, exigindo-se um prazo mínimo de dois meses desde o início até à concretização efetiva do método. Além disso, a disponibilização do acompanhamento psicológico é igualmente obrigatória, algo que não constava na versão anterior.

Caso existam dúvidas por parte dos médicos sobre a capacidade da pessoa para “solicitar a morte medicamente assistida” ou “admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões”, é necessário o parecer de um médico especialista em psiquiatria. A Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos da Morte Medicamente Assistida deve elaborar igualmente um parecer.

Em que fase se encontra o processo?

O texto, que tem por base projetos de lei do PS, BE, IL e PAN, foi a votação final global no dia 9 de dezembro de 2022, tendo sido aprovado. Os votos a favor foram da maioria do Partido Socialista, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda, dos deputados únicos do PAN e do Livre e de seis deputados do PSD.


O texto foi igualmente validado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que o aprovou na especialidade, ou seja, artigo a artigo.

No entanto, o PSD apresentou um projeto de resolução para um referendo sobre a despenalização da eutanásia, mas a iniciativa foi rejeitada pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Silva. Isto porque não existiam alterações significativas ao referendo proposto pelo Chega, em junho deste ano, que já tinha sido rejeitado. Esta semana, a Comissão de Assuntos Constitucionais confirmou esta decisão, recusando o recurso apresentado pelo PSD sobre a não admissão do seu projeto de referendo à eutanásia e aprovando o parecer da deputada socialista Isabel Moreira, que o considerou inconstitucional.

Por sua vez, a Assembleia Legislativa da Madeira pede a Marcelo que não promulgue a lei. A região autónoma argumenta que não foi ouvida. A Constituição Portuguesa estabelece que a Assembleia da República deve ouvir os órgãos regionais relativamente a questões respeitantes às regiões autónomas. Sendo este processo um serviço que “mexe” com os serviços de saúde regionais, a Madeira alega que o facto de não ter dado o seu parecer viola a Constituição.


Então e agora?

Este é um tema muito polémico, visto que pode ser interpretado por duas vertentes: uma defende que é uma maneira digna de se acabar com o sofrimento, e a outra, em oposição, vista como a promoção ao suicídio.

Sem dúvida que há muitos médicos que realçam a ignorância da população quanto aos cuidados paliativos - soluções médicas que, efetivamente, inibem a dor. No entanto, qual será o objetivo de prolongar a vida sem se poder viver no sentido integral da palavra? Devemos respeitar os direitos individuais de cada um e perceber que há indivíduos que não são capazes de ver a vida aceitável para eles próprios nas condições em que se encontram.

Haverá casos precipitados? Haverá indivíduos que não estão realmente conscientes do que estão a fazer? E acima de tudo, será ético da parte dos médicos fazerem-no? Não violará o juramento de Hipócrates?

Claro que é necessária a discussão e a validação de um conjunto de médicos que analisem a natureza da doença. A função dos médicos é intervir no sofrimento, fornecer cuidados necessários para que os pacientes reencontrem a esperança da felicidade, levar os cuidados paliativos até ao fim. Porém, devem, acima de tudo, prezar as crenças de cada um e aceitar caso esses não encontrem o bem-estar nesses tratamentos.

No entanto, é de realçar que nenhum destes procedimentos impõe um comportamento a ninguém. Estas soluções nunca devem ser anunciadas em forma de proposta ou compromisso, mas sim em forma de hipótese.

Assim, o diploma encontra-se ainda na Assembleia da República para a aprovação da redação final do texto. Assim que for entregue em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa tem três opções: promulgar, vetar o decreto do parlamento ou ainda enviá-lo para o Tribunal Constitucional para verificação da sua conformidade com a Lei Fundamental.

O Presidente não revela a sua opinião pessoal, nem a decisão que irá tomar. No entanto, não nega as suas crenças católicas.

O Chefe de Estado promete que terá em conta os vários contributos ao longo dos anos e que terá em consideração as “questões” agora suscitadas pela Madeira. As opiniões e o longo debate da sociedade portuguesa, também não serão esquecidas. Marcelo Rebelo de Sousa promete tomar uma decisão o mais rápido possível, prevendo uma resposta já para depois do Natal.